Os brancos não andam a pé!
Afonso Loureiro
Com algumas ruas fechadas para obras e um trânsito ainda pior que o do costume, a opção de ir até à alfândega do aeroporto de carro não me parecia a mais acertada. Ainda por cima, como o engarrafamento se restringe a três ruas, na verdade nunca chegamos a parar em lado nenhum e avança-se exclusivamente à custa de um longo ponto de embraiagem. Também já é sabido que não há estacionamento perto da alfândega. Ponderei a hipótese de deixar para outro dia, mas sabia que não podia.
A meia-dúzia de quarteirões para cada lado ajudou-me a decidir. Era bem mais rápido ir a pé. Isso implicava violar uma regra fundamental, que eu desconfio estar escrita a tinta invisível na legislação angolana. Os brancos não andam a pé!
De facto, bastou chegar ao final do primeiro quarteirão para reparar nas cabeças que se viravam. Ainda pensei que tinha a braguilha aberta, mas não, era mesmo a cor da pele. No final do segundo quarteirão, os cobradores dos táxis paravam os seus pregões a meio quando me viam. Uma mais-velha perguntou-me se eu tinha preferência em andar a pé…
Em cerca de meia-hora de caminho, não vi mais nenhum branco nas ruas. O primeiro que vi, estava já no aeroporto. Trazia um papel na mão e era seguido por um negro que trazia um monte de caixotes. Começo a pensar se a imagem mental que os pretos fazem dos brancos não será um bicho amorfo, sem pernas ou braços, incapaz das coisas mais simples…
Tratei dos assuntos pendentes e regressei. Desta vez vim pelas ruas secundárias, onde tive de contornar buracos e charcos de lama, como os locais. Passava por entre os carros que se engalfinhavam uns nos outros. Buzinadelas impacientes e braços a gesticular mostravam que alguém tinha fechado o cruzamento. Se tivesse vindo de carro, estaria por aqui, a tentar decidir se valia a pena desligar o motor ou não.
Quem zungava também virava a cabeça. Habitualmente vêem os brancos sentados no carro. «Olha, afinal também sabem andar a pé…»
Mas acho que já sei porque razão os brancos estão proibidos de andar a pé. Podem provocar uma epidemia de torcicolos!
Não é uma resposta. É um convite e uma partilha. Tudo porque a força da razão vale mais, muito mais, do que a razão da força.
Kandandu do
Alto Hama
Como Angolana e pura Caluanda, este é um dos melhores blogs q tenho lido sobre a minha banda!;)
retratos verdadeiros e fieis, tirando uma ou outra coisa, acho q eu nao faria melhor..
vou continuar a espreitar yá;)
Continuação de boa escrita então!:)
eh eh eh Está engraçado o texto, Afonso. Eu às vezes também ando a pé e, numa das vezes, senti-me capaz de espancar… tcharan… duas brancas, mais velhas do que eu! Se eram angolanas ou não, não sei. Mas sei que quando passaram por mim uma delas disse: pois, realmente tem cara disso. Ora, as estúpidas deviam-me ter confundido com alguma estrangeira que não fala nem percebe português e, na altura fiquei a imaginar do que eu teria cara. Talvez de enjoada, de recém-chegada… enfim. Quanto aos angolanos, alguns olham sim. Outros mandam piropos. Eu acho engraçado, andar a pé. Por um bocado, vá. Que a buracada e as poças de lama e sabe-se lá mais o quê, não ajudam nada. Uma vez cheguei a malhar de joelhos e tudo! eh eh eh :o)
Eu e a P. também já andamos muito a pé, logo que chegamos aqui. E de candongueiro também, diga-se de passagem. Num só dia chegamos a tomar 6 táxis para ir a Luanda Sul. Os angolanos achavam graça dos dois branquelos, mas nunca rolou nada além de piadas… abraços.
Continuas a manter-me agarrado a estes pequenos relatos. Continuação de sorte e bom trabalho.
Abraço, Daniel