Aerograma, o legítimo
Afonso Loureiro
Hoje é um dia muito especial. Posso apresentar um verdadeiro aerograma. Um daqueles que ligou, durante anos, as províncias ultramarinas à metrópole.
O original
Transcrevo parte da mensagem:
Do Alferes Navegador (…)
10/AGO/74As minhas primeiras impressões não são más. A vida de hoje não é em nada semelhante à dos tempos anteriores ao 25 de Abril.
Reina a calma, a paz e a serenidade por todo o território.
Resta-nos saber se aquando da INDEPENDÊNCIA as coisas manter-se-ão assim. Tudo leva a crer que sim, porém… o futuro é imprevisivel.
Se acaso houver necessidade de actuar, será mau para ambas as partes; e, ao fim e ao cabo o interesse é nulo, pois nós estamos dipostos a abandonar e a entregar-lhes tudo, pelo que não haverá necessidade de recorrer à Guerra.
(…)
O clima é que é um pouco chato. É quente, mas ao mesmo tempo húmido. As pessoas andam sempre com a pele húmida, mesmo molhada. O que vale é o ar condicionado que existe em quase todos os lugares (cá na Base, claro) e que alivia e refresca.
Ao contrário dos que foram enviados antes da Revolução dos Cravos, este já não ostentava os traços pretos da censura (na correspondência não usavam lápis azul), que obscureciam toda e qualquer passagem de interpretação dúbia ou que não seguisse a corrente de pensamento autorizada pelo regime fascista.
Marcas do Império
A esperança no futuro da Guiné, neste caso, é evidente. Mas o que achei mais curioso, foi saber que há coisas que marcam o dia-a-dia de todos, quer seja no fim da Guerra Colonial, quer seja hoje.
As madrinhas de guerra marcaram muitos soldados
Actualmente, os aerogramas de papel, tal como o Serviço Postal de Mensagens já não existem. O seu antigo edifício em Luanda foi ocupado e transformado em prédio de habitação. Não tem condições e quem lá vive reclama para ser realojado.
O meu pequeno aerograma tem algumas semelhanças com os de há três ou quatro décadas. Serve para manter contacto com os que estimo, relatando as minhas impressões do país que me acolheu. Os dias bons e os outros vão sendo digeridos através da escrita. E está igualmente isento do pagamento de taxas…
Tal como no original
Realmente sinto-me a viver a história que muitas jovens do tempo da minha mãe viveram, mas com a vida mais facilitada.
Tenho o meu mais-que-tudo no Ultramar a trabalhar (esta parte é muito melhor, não foi para a guerra), recebo aerogramas (todos os dias), falamos quase todos os dias (desde que a luz e a net o permitam).
Estar longe de quem amamos é dificil de gerir, mas sei que é por um futuro melhor e que aquilo que não nos mata só tem o poder de nos tornar mais fortes (eu bem que preciso).
Até ao próximo aerograma…
Caro,
Pelo seu belo trabalho, indiquei o blog ao Prémio Dardos.
“Com o Prémio Dardos reconhecem-se os valores que cada blogger emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc. que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, entre suas palavras. Esses selos foram criados com a intenção de promover a confraternização entre os bloggers, uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.
Este prémio obedece a algumas regras:
1) Exibir a imagem do selo;
2) Linkar o blog pelo qual se recebeu a indicação;
3) Escolher outros blogs a quem entregar o Prémio Dardos.”
Saudações,
João Paulo Toledo
(http://angolajpt.blogspot.com)
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aproveite e procure pelas “Cartas de Guerra” do António Lobo Antunes.