Onomatopeias do Huambo
Afonso Loureiro
Percorrer as ruas do Huambo e ser capaz de não ver as marcas de guerra é tarefa difícil.
À excepção da Praça Agostinho Neto, onde taparam todos os buracos e cicatrizes da batalha do Huambo, cada esquina oferece um mapa da tragédia que se abateu sobre a cidade.
Ao fim de alguns minutos, os ouvidos começam a acompanhar o que os olhos vêem e as fotografias que se tiram ganham onomatopeias como nomes.
Takatakatak-takatakatak tak-tak-tak
Fachadas pintalgadas de buraquinhos pouco certeiros, que não se agrupam em nenhum alvo específico, sugerem disparos por cima das barricadas, feitos com a esperança que não se percam na atmosfera.
PUM! BUM!
As granadas das bazookas e lança-foguetes fizeram estragos em quase todos os edifícios mais altos.
BUUUM!
Os tanques, quase invulneráveis às armas ligeiras, percorreram as ruas, distribuindo tiros de canhão pelas fachadas.
Takatak – Pang! Pang!
A cada varanda estratégica, quer esteja numa esquina, quer esteja a meio de uma qualquer rua, vemos as marcas deixadas pelos atacantes. Paredes reconstruídas apressadamente, procurando fechas ou buracos deixados pelos explosivos.
Bum!
Nos momentos em que não se disparava contra o inimigo, usavam-se alvos de ocasião para treinar a pontaria. As estátuas de bronze deixadas pelos colonos, painéis de azulejos nas igrejas, letreiros e placas toponímicas.
Pang!
Cidade Baixa e Cidade Alta ostentam as mesmas marcas, mostrando que a guerra chegou a todo o lado com a mesma violência.
Bang!
A artilharia e a aviação martirizaram a cidade, juntando aos edifícios por acabar, edifícios acabados.
Fiiiiiiiiiii…. PUUUUM!
A sensação com que se fica é que a maioria dos disparos foram aleatórios, apontando mais ou menos para o local onde se julgava estar o inimigo.
Bum! Pum! Buum!
Outra ideia com que se fica, é que havia muitos treinos de pontaria sem alvos definidos. Escolhia-se um edifício alto e disparava-se até fartar. Curiosamente não eram as fachadas principais os alvos escolhidos, mas sim as laterais, parecidas com alvos onde se podia aferir a precisão do artilheiro.
Bam! Pum! Bum!
Pela direcção dos disparos, adivinhamos que a artilharia estaria agrupada perto do centro da cidade. A maioria das cicatrizes feias nas paredes dos prédios mais altos está virada para lá.
Pum! Pum! Pum! Pum! Pum! Pum! Um tiro a cada andar.
Ficamos sem a certeza se os estragos maiores na cidade se devem à luta entre os dois exércitos ou aos momentos de ócio dos artilheiros.
É impressionante e bem notário as marcas deixadas pela guerra.
Não poderias ter escolhido melhores legendas para as fotografias.
Obrigado pela reportagem! Os meus cumprimentos.
Olhe, era aqui uma janela neste canto da sala e tambem queria um respiradouro na cozinha.
PUM! PANG!
Muito obrigado e bom dia.
Uma pequena correção:
O prédio em questão situa-se na parte Baixa da cidade e os buracos que vê são os antigos buracos de entrada de material aquando da construção do mesmo mais ou menos nos anos 70 (pode-se ainda ver o mastro do sistema de elevação ao longo da parade).O predio começou a ser habitado sem estar ainda acabado de pois da independência e quem vivia nos respectivos andares foi fachado como pode.
fica a correção: os buracos não foram feitos pela artilharia.
Um abraço!!
Estou devidamente corrigido. Se tivesse olhado com olhos de ver também tinha reparado na guia da grua…
Eu vi e ouvi quase toda esta triste realidade, lá no Huambo onde nasci e vivi até não poder mais, com continuação em Luanda. Apesar de tudo, obrigado Afonso, pela memória esburacada que através destas fotos gostei estranhamente de reviver. Quando fugi com a família, um pouco antes do bombardeamento final do Huambo, esta já parecia uma cidade fantasma, mas a minha casa ainda estava de pé. E agora? Será que ainda existe? Nem quero saber, apesar de procurar curiosamente a casualidade de um instantâneo de um viajante do pós-guerra. Talvez seja por gostar apenas do estilo destes aerogramas que me tocam a alma e, quase, a pele.
Abraço
Quase aposto que ainda está de pé.