Tempos e mundos paralelos
Afonso Loureiro
Nos meus passeios pelos recantos de Angola tenho encontrado sítios que nos fazem pensar na evolução das sociedades, nos modos de vida ancestrais e modernos, no futuro e no passado deste país.
Paredes de lama e telhado de paus
Nas estradas menos concorridas, há pequenas povoações que parecem não ter saído dos primórdios dos tempos, onde as casas ainda não têm telhados de zinco e a luz eléctrica é apenas uma miragem distante. A vida é igual à dos seus avós, com as mulheres a secarem a fuba nas pedras e com os homens a lavrar os campos.
Homenagem às mulheres, que transportam a água
Mais perto dos centros urbanos, as motorizadas e os automóveis vão substituindo os peões e até as construções passam a usar materiais mais modernos. Aqui e ali vemos as fábricas de blocos de construção, onde dois ou três homens vão enchendo um molde artesanal de cimento e deixando as peças secar ao Sol. As mulheres continuam a trabalhar no campo, mas os homens começam a ser taxistas, transportando cargas e passageiros nas motorizadas.
A alguns quilómetros da capital, a miséria e o lixo são visões raras. Como é estranho haver dois mundos tão distantes no tempo mas tão próximos no espaço.
No centro de Luanda, terra onde ninguém anda a pé, as torres de aço e vidro vão ocupando o lugar da alvenaria de pedra. Os táxis e as várias versões de motorizadas chinesas circulam por todo o lado com uma agressividade inacreditável. Os sacos de plástico a fugir do vento ocupam o lugar dos pássaros. As buzinas substituem-lhes os cantos e piados.
Centro de Luanda
Até os negócios são feitos a correr. No curto espaço de tempo que o motorista está parado no sinal, de janela aberta, é preciso mostrar a mercadoria, regatear um pouco, avaliar a mercadoria, acertar o preço e fazer o negócio.
Lá do cimo das torres brilhantes, quem olha para as ruas não vê os que tentam sobreviver nesta selva. A janela está muito alta e os vidros espelhados tornam invisíveis quem nunca tira os olhos do chão. Como se sentem ignorados lá em cima, mandaram instalar relógios e termómetros no topo da torre ou iluminar as fachadas com desenhos animados. As pessoas cá de baixo dão uma espreitadela, quase parecendo que miram os que deles se riem, no escritório com ar condicionado.
Ao fim do dia, descem para o seu carro de vidros escuros, estofos de cabedal e ar condicionado. Só param no condomínio fechado, com mobílias importadas, relvados viçosos e muros altos para esconder os olhos cobiçosos dos que nada têm.
“Lá do cimo das torres brilhantes, quem olha para as ruas não vê os que tentam sobreviver nesta selva”
Direi que esta foi a mais fiel “fotografia” que publicaste de Luanda!
Por muito primitivas que possam parecer, as cubatas com paredes de taipa ou adobe e com telhado de paus e capim estão perfeitamente adaptadas ao clima africano. Elas são incomparavelmente mais frescas e acolhedoras do que as casas de cimento ou pedra e tendo telhados de zinco, cimento, lusalite ou telha. Nem sempre o que é mais “moderno” é melhor.
P.S. – Estou a adorar este blogue!