Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

17  03 2009

Ingenuidade tricentenária

Quando comecei a escrever no Aerograma, poucos meses antes de partir para Angola, a minha visão do mundo era muito diferente. Releio o que escrevi há meses e concluo que era ingénuo. Para algumas coisas não deixei de o ser.

As ideias a preto e branco que trazia começaram a esbater-se num imenso borrão de fronteiras indistintas. Cinzento ou talvez avermelhado, como o pó de Luanda.

Descobri que tudo o que sabia de África, dos livros, dos filmes e das histórias é verdade, mas, ao mesmo tempo, também é tudo mentira. Tudo o que se possa dizer de Angola terá de ser visto e interpretado sob várias luzes. A única grande verdade é que esta terra não deixa ninguém indiferente.

Este artigo é o tricentésimo que publico. Se os primeiros cem me pareceram muitos e os segundos chegaram depressa, a marca dos trezentos surgiu sem que desse conta. Desta vez não quero nem saber quantos milhares de palavras foram publicados. Isso será trabalho para mais tarde, para o fim do Aerograma. Para as despedidas de Angola. De momento, o que importa é o próximo artigo. Aquele que ainda está por escrever e não há maneira de sair.

Nestes poucos meses de nova vida pude presenciar grandes mudanças numa sociedade desconhecida. Ou então, fui afinando a minha percepção das coisas e deixei de ver a imagem a preto-e-branco dos primeiros dias.

O episódio que me marcou mais, talvez tenha sido assistir às primeiras eleições de um país que renasce (as outras não contaram, foram num intervalo da guerra) e à alegria dos dedos pintados, que perdurou durante umas semanas.

A única coisa a que ainda não me habituei foi ao permanente controlo de estrangeiros ou pessoas que aparentam sê-lo, isto é, brancos. A cada esquina há alguém a anotar números de passaportes, com aquele ar de pequena omnipotência mesquinha que só quem experimenta consegue perceber. Mas isto também faz parte da vida.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Ingenuidade tricentenária”

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  1. Que o fim do aerograma esteja muito muito longe. Devo confessar que a cada dia, mal passa da meia noite venho ler o novo artigo.

  2. #300! Grande marca. parabéns e não pares.

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