Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

27  03 2009

Solta o pequeno ditador que há em ti!

Num fim-de-semana em que fugimos a Luanda, esse monstro, fomos almoçar a um cotovelo do Kwanza. O do Dondo, para ser mais exacto.

O almoço custou a módica quantia de 1’000 Kz e fomos infinitamente mais bem servidos que numa mísera refeição de 50 dólares na Ilha do Cabo.

Mesmo em frente ao restaurante, ergue-se a estação de caminhos-de-ferro do Dondo. O edifício nem é dos mais bonitos da cidade, mas não deixa de ser um marco. Desta vez fomos fazer umas fotografias do lado do cais, para completar as que já tinham sido tiradas noutras ocasiões.

Do outro lado da linha, debaixo da copa frondosa de uma gigantesca árvore, cinco pessoas conversavam, refasteladas em cadeiras de plástico partidas e troncos caídos. Um deles interrompeu a conversa e levantou-se assim que viu as máquinas fotográficas.

Era um polícia. Alto e de óculos escuros que lhe abraçavam a cara de tal maneira que pareciam crescer da pele. Deve ter nascido já com eles.

Vi-o chegar, mas não fiz caso.

Enquanto fotografava o letreiro com o nome da estação, oiço-o perguntar, num tom de voz semi-autoritário, como se lhe estivessemos a entrar em casa:

«Há algum problema?»

Enquadrei o relógio da estação, que está certo duas vezes por dia desde há anos. Apertei o botão e esperei pelo TLAC do prisma. O silêncio começava a perturbar o guarda.

dondo02
O próximo combóio chega às dez e meia

Voltei-me para ele e respondi «Não sei. Diga-nos você. O senhor é que veio ter connosco!»

Antes que pudesse pensar numa resposta espertinha e se lembrasse de exercer o seu pequeno poder da forma mais arbitrária que houvesse, perguntei-lhe por um colega dele lá do Dondo, que conheci noutra viagem. Demonstrei preocupação por não o ter conseguido encontrar nesse dia e pedi-lhe notícias do seu paradeiro. Disse que não o tinha visto, que não sabia de nada e acabou por se esquecer de nos explicar qual era o problema de fotografar a estação…

Eram horas de ir ver outras coisas. Deixámos o polícia ao Sol, sem saber muito bem o que fazer. Acabou por voltar para debaixo da árvore e nós fomos à nossa vida.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »