Sotaque nativo
Afonso Loureiro
Se há coisa de que gosto, é de estudar sotaques, de imaginar de onde são as pessoas só pela maneira como falam. Cada região tem o seu cunho característico, as suas expressões idiomáticas ou as sílabas pronunciadas de maneira diferente dos outros sítios.
É engraçado ir para os lados do Douro e ouvir dizer "«o meu cuárro anda qu’mó carago» ou coisas parecidas. Mais curioso ainda, é encontrar alguém a falar assim no meio de Angola, como já me aconteceu. E não, não era um português. Era um angolano de gema, um mais-velho que dizia «Angola é vossa!».
Até mesmo nas reuniões de trabalho com estrangeiros, onde todos temos de falar Inglês, a língua pobre que todos dominam, vou dando por mim a deduzir a origem dos intervenientes só pelos seus RR austríacos ou pelos ING ditos à francesa. Espanhóis a falar Inglês ou Alemão não contam, porque fico sempre com vontade de rir.
Num mundo cada vez mais igual, os sotaques dão um cunho pessoal a cada falante e mostram que na variedade é que está a beleza. Quem quereria viajar se todas as terras fossem iguais áquela onde se mora? É como vir trabalhar para Luanda e morar num condomínio privado, ter motorista que nos leve ao escritório numa torre moderna e dizer que Angola é a mesma coisa que Estocolmo, mas com calor.
Não posso dizer que já tenha corrido o mundo. Mas sinto que aproveitei bem as viagens que fiz para ficar a conhecer um pouco o que distingue aqueles lugares dos demais. Procurei conhecer, pelo menos, o que há em cada terra que molda as gentes. Será o cinzento do Báltico, o ondular da planície Alentejana ou o sabor dos maboques que fazem as pessoas ser diferentes umas das outras?
Às vezes temos surpresas. Na Tunísia conheci um guia turístico, de seu nome Adel. Diziam que nos falaria em Castelhano, mas a verdade é que falava Português. E melhor que o de muitos nativos do cantinho à beira-mar plantado. Por vezes conversava com alguns dos turistas em Francês, com sotaque europeu. A grande surpresa era quando falava com turistas franceses. Imediatamente mudava para um sotaque africano, parecido com o de Marselha, pois era esse que eles esperavam ouvir. Sempre emprestava uma cor mais local ao discurso…
Sotaque nativo
Já passei pela mesma situação em Lisboa, numa loja chinesa, ao tentar conversar com uma senhora chinesíssima, desde os olhos rasgados até à maneira de vestir, que falava com o sotaque de Alfama. Não era o que eu esperava. Não sei porquê, mas aqueles produtos chineses, começaram todos a parecer-me imitações baratas…
Em Luanda ouve-se muita gente a brincar com os angolanos que viveram em Portugal. Dizem que já não sabem falar, que perderam o sotaque Mwangolê…
Não sei se ainda lá está, mas há muito poucos anos havia nas imediações da Praça do Chile, em Lisboa, um pequeno restaurante de chineses que só servia comida portuguesa muito saborosa, com um acentuado sabor caseiro português. Pratos como cozido à portuguesa, carne de porco à alentejana, iscas com elas, etc. Tudo feito por chineses, que falavam português com sotaque lisboeta e que cozinhavam melhor do que muitos e muitos portugueses. Acho que o restaurantezinho se chamava “Solar do Chile”.
Os suchi-men dos grandes restaurantes japoneses de São Paulo costumam ser cearenses.
No meio de tanta mistura, acabamos por ter excelentes surpresas. O meu restaurante italiano preferido é gerido por bangladeshis…
Só traz vantagens. A barreira linguística desaparece instantaneamente!
MUITO BOM GOSTEI MUITO MUITO OBRIGADA TEM QUE TER SOTAQUE AFRICANO EM UMA PEÇA QUE VOU ATUAR