Histórias de telhados
Afonso Loureiro
Uma volta por Luanda, olhando os telhados e o céu, é uma actividade perigosa. Afastar os olhos do lixo do chão é arriscar enfiar a pata numa qualquer poça cheia nem queremos saber de quê.
Não são só desvantagens. Os telhados das casas também contam histórias engraçadas. Ou, pelo menos, contam como mudou o mundo por estas bandas.
Hoje, cada fachada está salpicada de máquinas de ar condicionado, que pingam na rua, ou crivada de buracos e remendos. Cada telhado ostenta a sua dúzia de antenas de todos os feitios, tamanhos e estados de conservação. Há antenas de ondas curtas tombadas, antenas de televisão torcidas e muitas, muitas antenas parabólicas para captar as transmissões via satélite. Destas últimas, há milhares fora de serviço. Grandes antenas colectivas, quais passadores de lata que avariaram e nunca foram reparados. Muitos outros milhares de pequenas antenas brancas, exclusivas de cada casa, espalham-se por todo o lado. E quando avariam, põem-se uma nova. Se a velha incomodar, talvez se retire…
Os telhados de Luanda escondem muito mais que sucata tecnológica e poluição visual. Há também as cadeiras velhas, as pedras e os buracos. De vez em quando encontramos umas pérolas, sinais de tempos que parecem bem mais longínquos do que realmente são.
Desde quando soa esta melodia?
Hoje em dia, quando se vê um telhado, pensa-se logo na maneira de lá instalar a parabólica. A atracção dos milhares de canais em línguas avulsas exerce um fascínio semelhante ao da Torre de Babel. Infelizmente, nunca passa nada de jeito.
Antes das parabólicas
No antigamente, não havia televisão. Mas os telhados existiam e havia quem os julgasse um pouco despidos. Alguém se lembrou de usar cata-ventos!
De sentinela
São instrumentos muito úteis, para quem gosta de saber para onde sopra o vento sem ter de sair de casa e apanhar com ele na cara. Tirando os pescadores, os moleiros e mais um ou outro curioso, não passam de uma solução à procura de um problema ou de um objecto de decoração disfarçado de máquina útil.
Gato em telhado de zinco quente
Suponho que o primeiro tenha sido desenhado por um engenheiro e tenha indicado a direcção do vento apenas com uma flecha. Lá pelo meio vieram os artistas e subverteram completamente a coisa. Os cata-ventos deixaram de indicar a direcção do vento com um boneco engraçado, passou a ser um boneco engraçado que se move ao sabor do vento. Nalguns casos, ainda sobraram os pontos cardeais. É pena que estejam quase sempre a apontar para direcções esquisitas…
Sinais de um vento que já passou
O tempo dos cata-vento já passou. Terminou quando entrámos na época DP – Depois de Parabólica. Já não se querem ornamentos. Quer-se a MTV e a novela.
Essas raras figuras até que têm graça. 🙂
E nunca vi tanto prato branco como em Luanda!
Isso é tudo no mesmo telhado?
Alguns são do mesmo telhado, embora de casas diferentes.
Excelentes aerogramas estes! Se há coisas que adoro fotografar é telhados e cataventos. Desde pequena que subo aos telhados e quem o faz percebe concerteza que não há melhor local para se respirar uma sensação de liberdade mesmo que no meio do buliço das cidades. No caos e confusão de que Luanda se veste é como olhar os magníficos chapéus com que ainda se enfeita se desaparecer o resto do nosso ângulo de visão.
Mais um punhado das tais memórias que o progresso a pouco e pouco vai apagando.
É mesmo um privilégio ler tanto apontamento bonito que deixa por aqui.
Vou chegar aí muito mais conhecedora dessa Luanda que não piso há vinte e tal anos. Vou lembrar-me muitas vezes de certeza de muitas coisas que vi e li através das suas palavras e imagens. Não imagina como foi importante este seu blog para me desembaciar o olhar e me esclarecer muitas dúvidas. A uns dias de ver voltar uma metade de mim que alguns meses separaram, vou pensando em si e em quem cá deixou à sua espera. A serenidade entre “dois” nas ausências, é mais suportável quando é possível preencher um espaço vazio, de aerogramas desenhados de vivências como tão bem faz neste pedacinho de net a que deu vida. Muitas felicidades para os dois que nem sei se aí terei tão cedo forma de poder continuar a acompanhar os seus relatos e descrições. Foi um prazer.