A farda da razão
Afonso Loureiro
Os polícias angolanos são conhecidos por todo o mundo. E não é pelas melhores razões. Estou convencido de que haverá uns quantos que não se deixam corromper ou que não anseiam pela gasosa fácil. Infelizmente, acho que ainda não vi nenhum.
Começo a conhecer algumas das tácticas de fim-de-semana, altura em que a caça à multa tem como alvo principal o expatriado, por causa da cor dos carros, imagino. Ora são os que invocam uma qualquer ilegalidade numa manobra lícita, como fazer a inversão de marcha numa rua de dois sentidos e sem trânsito, ora são os que acham ser proibido conduzir de óculos de sol.
Há ainda os que nos tentam intimidar, debitando todos os valores das multas conhecidas, desconhecidas ou prestes a ser inventadas, na esperança que se opte pela via mais fácil. Retêm os condutores horas, se for necessário, fazendo-os acreditar que o seu calvário só terminará com uma gasosa de valor ligeiramente inferior ao da multa escolhida. A facilidade vende-se à medida da dificuldade.
A farda dá-lhes poder. A farda dá-lhes razão. Ora teimam que um sinal diz uma coisa, ora teimam que diz exactamente o contrário na frase seguinte, mas têm razão. A farda diz que são especialistas. O Código de Estrada pode dizer uma coisa e eles podem teimar noutra. À falta de argumentos, invocam a precedência das ordens dos agentes sobre tudo o resto. Eles têm razão, nem que seja porque querem. Têm farda, têm razão.
Os mais incautos poderiam julgar que era arrogância destilada enfunada em pano azul e chapéu com capa branca. Puro engano. É razão em estado puro, daquela que nenhum argumento vence. A razão fardada vale mais que a razão civil. A razão tem armas, cassetetes e mão pesada, se for preciso.
Já há muito que nos decidimos a optar pelo talão da multa ao invés da saída fácil em forma de suborno acompanhado por um sorriso amarelo nosso e um sorriso rasgado e fardado, mas cheio de razão. Dá mais trabalho, que se lixe. Sai mais caro, que se lixe. A razão não se fica a rir com o bolso cheio. Ri-se e achincalha, porque o dia ainda não está ganho. Será o Estado a receber o fruto do trabalho da razão. Mas o Estado não se esquece da razão e dá-lhe 10% de gasosa, perdão, comissão.
Contesta-se e somos obrigados a entrar no covil da razão. Com muitas fardas cheias de razão que analisam o nosso protesto e nos fazem saber que não temos razão nenhuma. Elogiam a nossa argumentação, mas eles é que são os especialistas. Eles estão de farda. Eles é que têm razão. Têm precedência sobre tudo e fazem questão de nos lembrar disso quando suspeitam que começamos a julgar que temos uma pontinha de razão. Abrimos os olhos e vemos que sim, estão cheios de razão, perdão, fardados.
Seria tão mais fácil reconhecer que a razão estava certa e pagar a porcaria da multa. Mas isso seria reconhecer que tínhamos estado errados o tempo todo. Não, a razão está do nosso lado. É preciso que a razão fardada se habitue a que as pessoas reclamem. É preciso que a razão se habitue a tratar as pessoas com dignidade.
Desistimos da razão. Telefonamos às pessoas certas, que aparecem na altura em que a razão se vangloriava de estar cheia de razão e ajeitava as mangas da farda. Afinal, há razões mais fortes. O pedido vai ser analisado. Vamos ver o que se faz. Sorrimos e despedimo-nos. Acabamos sem razão nenhuma, mas de consciência tranquila!
HAHAHA! Não posso crer! Logo hoje que tive um encontro bastante “educativo” com uma “razão fardada” 😛 Coincidência demais ler este post. O certo é que, a menos que tenha realmente cometido uma infracção – e, nesse caso, prefiro pagar a multa ou tentar safar-me com ar de Anjinho, de mim não conseguem gasosa, suem por onde suarem para manter a postura de “agente representante da lei”, que deve ser venerado, e em cujas mãos está o nosso destino para o resto daquele dia.
É uma comédia que cada vez me faz rir menos…
Abraço***
boa tarde patriota obrigado pelo mail mas ja agora quanto é que se da de normal ao seija cada gasosa quanto è que custa ,a quem diga que nos os tugas è que os abituamos a esse suborno tenho amigos italianos é assim mesmo que se faz o dinheiro è que compra tudo (se la mafia mongole hehe)
A gasosa varia desde os miseráveis 200 Kz aos corriqueiros 500 Kz para os polícias de giro. Para os do trânsito, com uma razão mais bonita, ou melhor, farda mais bonita, menos de 2000 Kz é quase insulto e 100 USD não são de desdenhar.
Na semana passada fui à Reitoria da UAN, sem nem me aperceber que tinha deixado cair uma leve capinha com alguns papéis, ao sair do carro. Quando regressei, devolveram-ma e eu, toda sorridente, agradeci a simpatia. “Cumé Dona, nem uma gasosa?”.. “Gasosa?!? Mas que é feito da simpatia, da solidariedade e da inter-ajuda?”. A Gasosa é o dado adquirido! Os valores básicos de convivência numa sociedade.. são os “dados perdidos”. Mas é levar com calma e com um sorriso no rosto 😛 aos poucos.. muda!
Ainda eu acredito na mudança..Devo estar louca..Esses hábitos estão tão enraizados que vai ser preciso muita carga pra evoluirem!
Em Portugal, também há cada vez mais gasosas.
A diferença é que os “agentes da autoridade” são mais honestos, pois o Estado já rouba o suficiente por eles.
Paga-se, não ao agente, mas ao Estado.
Multas, Coimas, Taxas, Emolumentos, Impressos, Alvarás, Certidões, …. a lista não tem fim.
Vivemos num país onde o roubo é oficial e permanente.
Tenho vindo a deambular pelas historias que escreves no blog “afrograma- isento de porte….” que sem duvida retratam de forma cómica mas realista do dia-a-dia de todos os dias de cada dia deste chamado país Angola. Este texto achei o máximo, é mesmo isto que aconteçe…que realismo…vou ler mais uns!