Dia-não
Afonso Loureiro
Há dias que não deviam existir. Começam mal e não se endireitam nem por nada. Ficamos com a sensação de que desperdiçámos uma dádiva.
Tudo começa com a festa no terraço de um dos prédios da vizinhança. Aqui, as festas só estão completas quando há muitas colunas grandes e amplificadores monstruosos a vomitar batuques a volumes desumanos. Acreditamos convictamente que alguém anda a experimentar técnicas de demolição por pressão sonora.
Animou festas de outros tempos
As vidraças tremem, os copos dançam na mesa e os espelhos reflectem não só a luz, mas também o som que vem lá de longe. Pum, pum, pum.
As horas passam e a música vai variando de ritmo, mas as pancadas continuam. Adivinhamos o zumbido nos ouvidos dos que estão na festa, mas percebemos que esta é uma música táctil, que deve ser sentida no esqueleto e nas carnes. As orelhas servem para segurar os óculos de sol que, mesmo de noite, são fundamentais.
Do outro lado da casa, onde está o quarto, o som não chega directamente. Há, pelo menos, três planos onde é reflectido em direcção à cama. As pancadas secas sentidas na cozinha são agora empurrões arrastados e distorcidos que massam os ouvidos e o corpo.
O fim da noite aproxima-se, mas a música continua. Quatro da manhã e ainda não há sinais de que a festa esteja parar acabar. As pequenas pausas entre as músicas fazem a pressão nos ouvidos desaparecer, como se alguém nos tirasse um dedo da orelha. Mas logo a seguir regressa. Lá para as cinco da manhã acaba. Silêncio, finalmente.
Adormecemos para, cinco minutos depois, passar a primeira mota barulhenta. Muito gostam estes gajos de andar a dar aceleradelas inúteis!
Os planos feitos de véspera de acordar cedo são cancelados com voz entaramelada. Em vez das sete, partimos às dez. Ainda falta abastecer o carro, mas fazêmo-lo pelo caminho.
A estrada para Viana continua em obras. Os condutores insistem em formar cinco filas onde só passa uma. Vão-se espremendo a toques de embraiagem, tentando não cair nos buracos mais fundos que decoram a estrada. Buzinadelas e acelerações furiosas com o carro desengatado.
Contorna buraco, mergulha na lama
Duas horas depois, chega-se a Viana, a doze quilómetros. Filas demasiado grandes nas bombas até lá. A última hipótese, a caminho de Catete, já não tem gasolina. A luz da reserva acendeu e não vale a pena arriscar ir até Catete e descobrir que também estão a seco. O dia está perdido. Regressamos à capital. Perdemos três quartos de hora para abastecer numa bomba menos concorrida perto do Palanca.
Entramos em casa derrotados. A viagem de lavar a alma e esquecer Luanda por umas horas, revelou-se um banho no que há de pior da cidade: trânsito, trânsito, trânsito!
A seguir choveu…
Luanda debaixo de chuva
Há dias assim, mas não é só aí! É por todo o lado, a Lua tem dias que acorda para o lado errado e decide enfernizar a vida a toda a gente. São os chamados “dias difíceis” e a Lua é uma gaja…
Desesperante…
Planos furados…:/
Agora fez-me lembrar as leis de Murphy: “Tudo leva mais tempo do que todo o tempo que você tem disponível.”