Os provérbios preguiçosos
Afonso Loureiro
Contrastando com muitas outras coisas, os programas de rádio em Angola chegam a surpreender pela sua qualidade e variedade. Nunca suspeitaria, por exemplo, que Luanda tinha um programa semanal sobre os Beatles que dura há quase uma década.
Há também um programa dedicado à tradição oral angolana. Tradição essa, que quase se perdeu com a guerra civil e com a migração de metade da população para a capital. No programa, os separadores são provérbios populares.
Depois de ouvirmos uns quantos, começamos a imaginar as circunstâncias em que são empregues. Pensamos logo num grupo de mais-velhos, sentados a fumar. Um deles tira o cachimbo da boca e diz «A mulher asseada, vê-se no Cacimbo». Os outros acenam que sim, está cheio de razão. Olham para o céu e interrogam-se se ainda volta a chover até ao Cacimbo. Dois deles jogam kiela, quase ignorando os restantes, mas pensam nas mulheres a tomar banho no rio.
Voltam todos a puxar umas fumaças, pensativos. Para quebrar o silêncio, outro acrescenta «E a mulher trabalhadora, vê-se na horta». Volta-se a ouvir um sussurro de concordância e alguns corpos mudam de posição.
Olham para as mulheres a passar com os filhos às costas, o cesto à cabeça e a enxada na mão. Puxam mais umas fumaças e pensam noutros ditos apropriados. Quase todos em torno das qualidades das mulheres, pela amostra que tive no programa de rádio.
Não consigo deixar de pensar se serão só as mulheres a trabalhar e os homens se limitam a inventar provérbios acerca disso?
Xiii saudades do programa dos Beatles!
Nesse aspecto a nossa radio portguesa falha nos classicos!
E sim, as mulheres matam-se a trabalhar e os homens andam na zunguice..Mais uma vez se comprova que não há igualdade.