Aconchego
Afonso Loureiro
A monotonia meteorológica angolana deixa-me um pouco atordoado. Não consigo medir a passagem do tempo sem recorrer ao calendário.
Habituadinho às quatro estações bem marcadas da zona temperada, aqui não me apercebo das folhas vermelhas do Outono, porque não as há, nem me apercebo muito bem quando chega a primavera.
Estação das chuvas
Os embondeiros ajudam um pouco, passando o Cacimbo de ramos nus e o Verão com uma saudável cabeleira. Já percebi que na estação das chuvas o capim cresce imitando arranha-céus verdes e que no resto do ano quase desaparece.
Apesar de me dizerem que o Cacimbo é frio e de ver muita gente agasalhada, em Luanda posso dizer que os dias mais gélidos são semelhantes aos dias do final da Primavera de Lisboa. Os angolanos que cresceram nas terras altas dizem, a luandenses arrepiados de frio, que no Inverno de Luanda se pode dormir ao relento sem problemas.
Estação das chuvas
Nas noites de insónia, um remédio santo é enrolar-me num cobertor pesado. Em Angola tenho de passar sem isso. Tenho o lençol enrolado aos pés da cama, nada mais. Nas noites mais quentes chego mesmo a ligar o ar condicionado, para não acordar alagado em suor.
As saudades que sentimos da nossa terra revelam-se nas pequenas coisas. Há umas noites, dei por mim a enrolar-me no lençol, quase como quem espera fechar os olhos e acordar em casa. Adormeci naquele aconchego, mas acordei desapontado. Ainda estava em Luanda e alagado em suor…
Me lembrei do Linus, o amigo pianista de Charlie Brown e seu inseparável cobertor.
Aconchego faz muita falta.