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10  06 2009

O grito da p’xeira-ê!

O colorido de Luanda não é só devido aos remendos nas fachadas e pinturas avulsas para receber um qualquer dignitário, nem só pelas diferentes tonalidades que o pó, a chuva e o lixo vão emprestando às ruas. São as pessoas que cá moram que criam esta atmosfera diferente.

As esquinas onde se aglomeram os engraxadores a disputar fregueses, sapatos e bainhas com as suas garrafas de água ludra e escovas de três cerdas fazem, certamente, parte da cidade, tal como quem zunga trastes e inutilidades por entre os carros.

Mas o colorido não é só feito de imagens. Há também o colorido sonoro. E nisso, Luanda é um arco-íris de sons e ruídos. São as ambulâncias em marcha de urgência, nem que seja a altas horas da madrugada, com as ruas desertas. São as buzinadelas furiosas porque alguém parou na passadeira, sabendo perfeitamente que o condutor atrás queria parar vinte metros à frente. São os escapes livres das motas e as aceleradelas nervosas dos seus condutores, que fazem concorrência aos batedores dos Volvo de vidros fumados a abrir caminho no meio do engarrafamento e são os gritos, os muitos gritos de gente que chama, conversa ou discute.

Pelo meio disto tudo conseguimos reconhecer sempre o chamamento das peixeiras que, de alguidar à cabeça, conseguem projectar o seu pregão mais alto que os demais.

Demora um pouco até que consigamos decifrar o peixe que vendem, mas depois de se perceber onde começam e acabam as palavras do pregão, torna-se fácil entender «Kemképêx’galo-ê», «Kemképêx’pada-ê» ou «Kemkékarapau-ê»…

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

8 respostas a “O grito da p’xeira-ê!”

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  1. Olá Afonso,

    Parabéns pelo site!
    Descobri-o apenas há uns dias num giro por blogs de Angola e porque me identifiquei muito com o que escreves passei a ser visita assídua.
    Imagino que não seja nada fácil manter esse ritmo de um post por dia, mas para nós que te lemos é muito bom ter histórias novas de Angola diariamente. Por isso, força para continuares!

    Abraço

  2. Afonso:

    Cada vez me divirto mais com os seus pregões emprestados das zungueiras de Angola! (também me divirto muito com as interpretações “exóticas” que alguns dos seus posts suscitam, mas isso é outro assunto)

    Veja se ouve por aí a peixeira a vender ” Caxuxowéeeee ” !

    Nem imagina as coisas de que vimos a ter saudades quando deixamos Angola!

    Felicidades e continue!
    Susana

  3. É, sem dúvida, dos sons mais enraizados na minha memória de infância. Quase um cartão de identidade da cidade 😉 Ora aí está.. mais uma descrição perfeita!
    Abraço*

  4. Nem sei como me posso ter esquecido do pregão Caxuxowéeee. Ao fim-de-semana é quase sagrado.

  5. Esses gritos que ecoam das peixeiras
    Avivam-me saudades de Luanda,
    Recordam-me os pregões das quintandeiras
    Lembram-me os maximbombos na Mutamba

    Sinto-me na marginal sob as palmeiras
    Passeando de Alvalade até à Samba,
    Da Sagrada Família ouço as sineiras
    Do cine Miramar observo Luanda

    A Negage por fazendas cafezeiras
    Rumei, a Ambriz com função quejanda,
    E a Maquela do Zombo nas fronteiras

    Depois, cheguei à Terra Lobitanga
    Envolvi-me com mesclas tintureiras,
    Transmutei-me com a água dessa banda.

    Com um abraço no 32º aniversário do meu regresso

  6. Quando vivia em Luanda muitas vezes acordava com os gritos das peixeiras e isso irritava-me. Agora até saudades das peiexeiras tenho! 😉

    Só um “a parte”, desde quando é que existem passadeiras em Luanda?

    E gostei do poema acima escrito.

    Abraço e bom fim de semana!

  7. É verdade, agora até passadeiras pintadas temos. Os agradecimentos devem ser enviados para o Vaticano…

  8. Tenho saudade da cantinela das peixeiras. Era minha música preferida…

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