As cores do cacimbo
Afonso Loureiro
Para quem cresceu numa zona temperada, com quatro estações bem vincadas, as duas estações tropicais fazem tanto sentido como um ocidental budista. Podemos saber a teoria toda, mas, na prática, é preciso nascer lá para se perceber realmente o budismo ou o clima.
O Verão nunca é tão quente como imaginamos, talvez por associarmos esta estação a algo muito mais quente que o Inverno. A elevada humidade chega a ser opressiva, mas acabamos por nos habituar.
Já o Cacimbo é outra história. Julgo que nunca me habituarei a acordar com a luz coada a prometer trovoada, dia após dia, semana após semana. Nos dias melhores, o Sol acaba por vencer o nevoeiro e torna o céu quase azul por volta do meio-dia.
De manhã, a avenida já não mergulha nas águas sujas da Baía de Luanda. Esfuma-se numa bruma quase irreal dois quarteirões à frente. Pessoas e carros diluem-se num contorno indistinto, numa miragem desfocada.
Ainda antes de começar a escrever o Aerograma, procurei definir uma imagem que me servisse de inspiração ou de fundo adequado às experiências que sonhava partilhar. A verdade é que não fazia a mínima ideia do que me esperava. Nunca tinha estado na África negra e só pelos relatos de outros conseguia criar uma imagem mental. Embondeiros e céus cor-de-laranja pareceram-me apropriados.
Fim de tarde de Cacimbo
Apesar do Cacimbo deixar as pessoas um pouco deprimidas e irritadiças, devo confessar que foi esta época que me trouxe as cores mais inusitadas para o céu. A mistura das brumas com o pó da terra vermelha cria paletas espantosas.
“Apesar do Cacimbo deixar as pessoas um pouco deprimidas e irritadiças…”
Será daí a expressão “aquele tipo está cacimbado”, ao referirem-e a alguém deprimido?
Não sei se ainda se usa essa expressão, mas lembro-me dela nos anos 70, nomeadamente entre os militares. “Cacimbou” era sinónimo de “pirou”. E muitos “cacimbaram” para toda a vida, deixando de distinguir estações…
Viva Afonso.
Embora ultimamente não tenha feito comentários, isso não quer dizer nada. Continuo a lê-lo diariamente.
Quanto aos “cacimbados”, é verdade o que diz a São. O termo, então usado pelos militares, significava isso mesmo. Contudo, creio que não era só pela “cacimba” (outro termo) era fundamentalmente por tudo o resto.
Nas terras do fim do mundo, o cacimbo tinha uma vantagem – desapareciam os mosquitos que nos infernizavam a vida – e uma desvantagem – à noite, na mata, tiritava-se de frio. Naquele clima semi-desértico, o intenso frio da noite levava as gotas do orvalho ao ponto de congelação.
Quanto ao mais, a beleza amarelo acastanhada da paisagem, durante o cacimbo, tinha como contraponto o pó fininho que o mais pequeno movimento levantava do chão ressequido pela ausência de humidade. No tempo quente, era o verde exuberante regado pelas irritantes chuvas diluvianas acompanhadas de bandos de mosquitos que emergiam de todos os cantos .
Ao fim e ao cabo, como nas moedas, há o verso e o reverso.
Um abraço.
E.Cardoso
Mas olha que as manhãs cinzentas do inverno europeu também conseguem ser bastante deprimentes. Aliás, quando o cinzentismo dura o dia inteiro, e vem acompanhado de chuva e frio constantes, só apetece ficar em casa enrolado na manta.
Caro Afonso,
Acabo de chegar de Luanda, sob o impacto do Cacimbo. É muito raro presenciar efeitos semelhantes na paisagem do ensolarado Rio de Janeiro.
Também escrevi um post sobre o Cacimbo no meu blog de viagens Terreno Baldio, antes de ver o Aerograma.
Voltarei sempre aqui.
Um abraço do outro lado do Atlântico,
Lacy
Nice photo!
Saudades da nostalgia do Cacimbo…