Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

21  07 2009

As cores do cacimbo

Para quem cresceu numa zona temperada, com quatro estações bem vincadas, as duas estações tropicais fazem tanto sentido como um ocidental budista. Podemos saber a teoria toda, mas, na prática, é preciso nascer lá para se perceber realmente o budismo ou o clima.

O Verão nunca é tão quente como imaginamos, talvez por associarmos esta estação a algo muito mais quente que o Inverno. A elevada humidade chega a ser opressiva, mas acabamos por nos habituar.

Já o Cacimbo é outra história. Julgo que nunca me habituarei a acordar com a luz coada a prometer trovoada, dia após dia, semana após semana. Nos dias melhores, o Sol acaba por vencer o nevoeiro e torna o céu quase azul por volta do meio-dia.

De manhã, a avenida já não mergulha nas águas sujas da Baía de Luanda. Esfuma-se numa bruma quase irreal dois quarteirões à frente. Pessoas e carros diluem-se num contorno indistinto, numa miragem desfocada.

Ainda antes de começar a escrever o Aerograma, procurei definir uma imagem que me servisse de inspiração ou de fundo adequado às experiências que sonhava partilhar. A verdade é que não fazia a mínima ideia do que me esperava. Nunca tinha estado na África negra e só pelos relatos de outros conseguia criar uma imagem mental. Embondeiros e céus cor-de-laranja pareceram-me apropriados.

Candeeiro em contra-luz, num céu cor de salmão
Fim de tarde de Cacimbo

Apesar do Cacimbo deixar as pessoas um pouco deprimidas e irritadiças, devo confessar que foi esta época que me trouxe as cores mais inusitadas para o céu. A mistura das brumas com o pó da terra vermelha cria paletas espantosas.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

5 respostas a “As cores do cacimbo”

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  1. “Apesar do Cacimbo deixar as pessoas um pouco deprimidas e irritadiças…”
    Será daí a expressão “aquele tipo está cacimbado”, ao referirem-e a alguém deprimido?
    Não sei se ainda se usa essa expressão, mas lembro-me dela nos anos 70, nomeadamente entre os militares. “Cacimbou” era sinónimo de “pirou”. E muitos “cacimbaram” para toda a vida, deixando de distinguir estações…

  2. Viva Afonso.
    Embora ultimamente não tenha feito comentários, isso não quer dizer nada. Continuo a lê-lo diariamente.
    Quanto aos “cacimbados”, é verdade o que diz a São. O termo, então usado pelos militares, significava isso mesmo. Contudo, creio que não era só pela “cacimba” (outro termo) era fundamentalmente por tudo o resto.
    Nas terras do fim do mundo, o cacimbo tinha uma vantagem – desapareciam os mosquitos que nos infernizavam a vida – e uma desvantagem – à noite, na mata, tiritava-se de frio. Naquele clima semi-desértico, o intenso frio da noite levava as gotas do orvalho ao ponto de congelação.
    Quanto ao mais, a beleza amarelo acastanhada da paisagem, durante o cacimbo, tinha como contraponto o pó fininho que o mais pequeno movimento levantava do chão ressequido pela ausência de humidade. No tempo quente, era o verde exuberante regado pelas irritantes chuvas diluvianas acompanhadas de bandos de mosquitos que emergiam de todos os cantos .
    Ao fim e ao cabo, como nas moedas, há o verso e o reverso.

    Um abraço.

    E.Cardoso

  3. Mas olha que as manhãs cinzentas do inverno europeu também conseguem ser bastante deprimentes. Aliás, quando o cinzentismo dura o dia inteiro, e vem acompanhado de chuva e frio constantes, só apetece ficar em casa enrolado na manta.

  4. Caro Afonso,

    Acabo de chegar de Luanda, sob o impacto do Cacimbo. É muito raro presenciar efeitos semelhantes na paisagem do ensolarado Rio de Janeiro.
    Também escrevi um post sobre o Cacimbo no meu blog de viagens Terreno Baldio, antes de ver o Aerograma.
    Voltarei sempre aqui.
    Um abraço do outro lado do Atlântico,

    Lacy

  5. Nice photo!
    Saudades da nostalgia do Cacimbo…

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