Não se apanham coisas do chão
Afonso Loureiro
Quando fui comprar a mandioca para experimentar a receita que me deixaram num comentário, tive de perseguir umas duas ou três vendedoras até fazer as compras todas. Estes mercados dinâmicos ainda me fazem alguma confusão. É preciso esperar pela mandioca das 15:05, que faz a ligação com o expresso do abacaxi das 16:10 para a Mutamba, só para se poder comprar as bolachas das 16:15 que partem para o Gamek. Antes de perceber o esquema quase que julgava que fugiam de mim. No entanto, não dei este tempo gasto a perseguir hortaliças como mal empregue, muito pelo contrário. Já consigo perceber um ou outro pregão. Segui uma peixeira por quase dois quarteirões a tentar decifrar o que gritava. Só quando vi os chicharros é que descobri o que significava o KARAPAWÊÊÊÊ…
Um dos muitos mercados dos arredores
Os kwanzas não são a moeda mais prática do mundo. O baixo valor das notas mais usadas implica que, para ter uma quantia com que se possa comprar alguma coisa, seja preciso andar com um maço de notas monstruoso. Não é tanto o volume que incomoda, é ter de contar muitas notas de 10 Kz e 5 Kz. Para contornar este problema, os angolanos arranjaram um método que quase se podia descrever como digno de figurar ao lado do ovo de Colombo: fazem maços de notas embrulhados nas próprias notas. Tal como há quem faça um maço de notas e as prenda com um elástico, os angolanos fazem um maço com uma quantia pré-definida e usam a última nota para amarrar as restantes. Como o dinheiro anda sempre dobrado em quatro, está sempre tudo organizado. Já muitas vezes me deram 100 Kz de troco num único maço.
100 Kz em notas de 5 e de 10
Com os buracos e valas que se abriram para instalar mais candeeiros, percorrer os passeios tornou-se num exercício de perícia. É preciso ir navegando num labirinto tridimensional e sincronizar o movimento dos restantes peões com os buracos, os montes de entulho e as águas que escorrem por todo o lado. Estar atento a onde se põe os pés é absolutamente necessário. E, às vezes, até tem vantagens insuspeitas. Já muitas vezes reclamaram comigo por apanhar coisas do chão “que é sujo, que é porcaria, que cheira mal”. Mas encontram-se tantas coisas boas no chão! Eu encontrei uma coisa da qual só tinha ouvido falar. Um conhecido de alguém tinha ouvido um primo dizer que lhe contaram que havia moedas em circulação. Agora já acredito. Encontrei uma. Do meu ano!
Depois de limpa até ficou apresentável
Que sorte tiveste… encontras-te uma raridade e melhor ainda do teu ano.
Pode ser sujo, pode cheirar mal e ser uma porcaria apanhar coisas do chão, mas acabaste por encontrar um pouco de história.