Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

08 2009

O brilho do progresso e as bainhas

As novas avenidas de Luanda fazem um brilharete nos prospectos publicitários e anúncios no Jornal de Angola, mostrando como a cidade se está a desenvolver. De facto, as primeiras centenas de metros da Avenida Deolinda Rodrigues enchem o olho. Semáforos modernos, asfalto em bom estado, iluminação decente, passeios e canteiros bonitos e sem traço de lixo. Tudo do bom e do melhor. Mas o contraste com as esmagadora maioria das ruas da capital é demasiado grande para ser ofuscado pelo brilho da avenida que a estátua do Pai da Nação observa atentamente.

Escolhendo ao acaso uma qualquer transversal, entramos na outra Luanda, na que ainda não viu o brilho da nova avenida, mas que teria ficado feliz se tivesse tido um bocadinho só de atenção.

Pelo meio dos buracos onde os carros vão mergulhando as rodas, sempre com a esperança de sair outra vez, traça-se um labirinto por onde escorre a água que pode ser da chuva, do esgoto entupido ou da conduta de água que rebentou e está para ser reparada. Dizem os moradores que, quando não é uma, é outra. E, enquanto o dizem, vão dando saltinhos de um sítio seco para o outro, como que de nenúfar em nenúfar. Nas poças mais fundas vão surgindo pedaços de sucata ou mobílias velhas, sinalizando um buraco perigoso que é capaz de estragar uma iáce sem sequer se esforçar.

A lama escura que nivela a rua e camufla o lixo torna as pessoas cuidadosas e de passo seguro. Ninguém quer sujar mais que as solas dos sapatos, chinelos ou pés, conforme o que leve calçado. Números de equilíbrio ou outras façanhas dignas de nota mantém as bainhas limpas, mesmo que tenham o comprimento certo para quase tocar no chão. Garanto que, por muito que me esforçasse, nunca o conseguiria fazer, nem com metade da lama.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

Uma resposta a “O brilho do progresso e as bainhas”

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  1. Caríssimo Afonso, uma pessoa amiga que sabe o quanto gosto de África, indicou-me o seu blog e cá estou, a lê-lo com muito agrado. Já que Maomé não vai à montanha, que venha a montanha a Maomé…

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