Aventuras culinárias, o regresso
Afonso Loureiro
Após longos meses de ausência, a cozinha cá de casa volta a surgir como local de destaque em Luanda.
Não se trata do sítio mais refinado, nem dos mais conhecidos, mas é aqui se de desenrolam excitantes aventuras que podem mesmo até acabar por matar a fome a alguém.
Depois da saga dos bolos e dos ingredientes tropicais ou só esquisitos, surge algo mais normal, para os que, como eu, preferem cozinhar a comer fora.
A ementa do dia foi «Coisas avulsas que se encontrou no armário, com molho de ostras». Infelizmente, o molho de ostras já se tinha acabado.
Comecemos!
Um pouco de azeite num tacho, antes de mais nada
Para não desiludir, começo com um refogado, a base da cozinha portuguesa. Azeite e cebola picada, um pouco de sal e salta tudo para o fogão.
Só de olhar para elas, fico triste
A parte mais difícil deste prato é ouvir as histórias tristes que as cebolas têm para contar. São capazes de fazer chorar as pedras da calçada, como alguns fadistas de Alfama, depois de um copinhos de três.
Acabei de picar a cebola a parecer um convidado da Oprah, a chorar baba e ranho como se não houvesse amanhã.
O refogadinho
Mas a vingança não se fez esperar. Uns minutos mais tarde, a cebola conheceu o azeite quente e deixou de achar piada às minhas lágrimas. Uma risada maléfica encheu a cozinha. Depois olhei em volta, não fosse haver testemunhas. Havia!
Três incautos dentes de alho tiveram o mesmo destino da cebola. Para aumentar o nível de sadismo da tortura, acrescentei pimenta preta.
Apanhados de surpresa
Dentro do armário encontrei mais uns candidatos para a panela. Fizeram-se rogados a princípio, mas depois até gostaram.
Duas latinhas de atum
Para fazer um pouco de contraste com o atum, achei que umas salsichas não ficariam mal. Deram um pouco de luta, mas consegui tirar todas da lata sem me morderem os dedos.
Directamente do Gradil para Luanda
Na panela já havia legumes, peixe e carne, porque não uma coisa indefinida, como cogumelos?
Duas latinhas de cogumelos para preguiçosos (cortados)
O aspecto da mistela até agora não era muito convidativo. Acrescentei polpa de tomate, para ganhar um pouco de cor.
Andy Warhol, rói-te de inveja
Para não dizerem que falta consistência ao cozinhado, sacrifiquei um pacote de natas inteirinho. Espremi-o até lhe saírem as tripas pela boca.
Projecto de coronária entupida
Uma vez que estávamos sem electricidade há quase doze horas, fui espreitar o que se estava a descongelar no frigorífico. Encontrei umas imitações de peixe cor-de-rosa a nadar de costas. Foi tirar-lhes a casca e enfiá-los na panela. Aproveitei e juntei umas aparas de queijo que ameaçavam tornar-se uma cultura de penicilina.
As coisas de peixe
Enquanto esperava que apurasse, pus-me a pensar que esta aventura culinária precisava ainda de um toque tropical, à semelhança das anteriores. Puxei pela cabeça, procurando algo que não ficasse demasiado estranho. A solução estava quase à minha frente. O cacho de bananas que tinha comprado no Prenda estava com bom aspecto. Escolhi uma e enfiei-a no tacho, cortadinhas às rodelas, evidentemente.
O toque tropical
Entretanto, armado em Milú Modesto, Chef Silva ou outra personalidade televisivo-culinária, tiinha já preparado uma travessa de massa cozida, sobre a qual despejei alarvemente o conteúdo do tacho.
A massa preparada às escondidas
O resultado final não ficou desagradável de todo. A aparente semelhança com regurgitado de necrófago serve apenas para afastar os mais gulosos, porque estava bem saboroso.
Et voilá
Ingredientes: O que houver, e mais um pratinho de massa
Modo de preparação: O inevitável refogado e o resto ao molho por cima
Tempo de preparação: A julgar pela hora das fotografias, uma hora, um minuto e quinze segundos!
Vais cá chegar mais gordo!
Essa comida toda dava para uma família inteira.
As salsichas são do Gradil? Da minha terra?
Agora só compro salsichas do Gradil!