Desorientação matinal
Afonso Loureiro
Ao fim de quase ano e meio em Angola, seria de esperar que já me tivesse habituado a tudo o que estranhei à chegada.
Nos primeiros meses era frequente acordar completamente desorientado, julgando estar no meu quarto em Queluz. Abria os olhos e achava que a janela estava no síto errado, o que, pelas voltas que tinha dado, estava prestes a cair da cama ou a dar uma cabeçada na parede. Quase me habituei a esta cama imensa, mas continuo a ser capaz de passar semanas inteiras em que só durmo de um dos lados. Estou tão seguro disso que nem me dou ao trabalho de pôr o livro na mesinha de cabeceira. Fica no lado desocupado, para me fazer companhia.
Habituei-me aos barulhos, às buzinas e sirenes a horas certas. Conheço o zumbido dos compressores das máquinas de ar condicionado e do gerador do banco. Os apitos e estalos que se ouvem quando a electricidade volta também já não me acordam. Começo a ter a noção das dimensões da cama.
Mesmo assim, ainda há um dia ou outro em que algo me desperta subitamente e, antes de poder reagir, dou por mim a tentar perceber o que se passou a meio mundo de distância. Lá, não faz sentido aquele ruído ou aquela luz. Aqui, ainda não sei o que é.
Um destes dias, acordei enrolado no mosquiteiro, sem saber porquê. Antes que percebesse o que era e onde estava, juro que recuei dez anos e o Roni, um fox-terrier com muito carácter, tinha resolvido saltar-me para a cama.
Caro Afonso,
Como eu compreendo tudo isto que contou. Com a frequência de viagens que faço (estou a escrever-lhe da Alemanha, ainda vou a Itália e só depois passou por casa, em Lisboa, para voltar à Alemanha e a Itália…), acontece-me chegar a casa e estranhar tudo: a cama, o lugar das coisas, até as próprias coisas. E há hotéis onde passo regularmente tanto tempo que fico sempre instalado no mesmo quarto e consigo assim ter uma confortável sensação de familiaridade. Há um deles, em São Miguel, Açores, onde sinto-me mesmo como em casa!
Abraço,
Alexandre Correia