Albarda-se o burro à vontade do dono
Afonso Loureiro
Achei por bem dar a este artigo um provérbio como título. Afinal de contas, vou falar de um outro, que por cá ouvi, que sofreu uma pequena alteração.
Num dos famosos engarrafamentos de Luanda em que toda a gente tenta chegar primeiro que os outros e depois ninguém anda, com os candongueiros armados em baratas tontas de azul e branco, furando aqui e ali, passando nas valas e nos taludes e seguindo em contra-mão, troquei de estação de rádio. A do costume passava as horrorosas versões acústicas de músicas que nem na versão original se ouviam, quanto mais nesta edição melosa, mais indicada para um serão abraçado à dama que à hora do almoço. A não ser que os angolanos aproveitem a hora do almoço para dar uma escapadinha e ir ter com a outra… Mas divago e fujo ao tema. Hoje quero falar de provérbios.
Dizia eu que troquei de estação de rádio porque a música melosa não era a banda sonora ideal para o bailado dos candongueiros. A tecnologia moderna trouxe grandes conquistas para o conforto dos preguiçosos. Uma delas é a sintonia automática. Carrega-se num pequeno botão e o próprio receptor se encarrega de ir testando cada frequência até encontrar um canal ocupado e depois ainda se dá ao trabalho de fazer o ajuste final, para o som não ficar roufenho. Só falta mesmo inventar-se a sintonia automática com bom gosto musical, mas isso terá de ficar para outra altura.
Assim que o concerto de buzinas do exterior e o arfar da ventoinha do ar condicionado do interior foram substituídos pela voz nada desagradável da locutora, senti-me como um verdadeiro nababo. Mexo um dedo e tenho uma senhora a dizer-me as principais notícias do dia. Fabuloso. E com isto tudo, na fila que desaparecia lá na curva, avancei exactamente: nada. Ou melhor, na fila que agora eram três, mantive a mesma posição relativa, absoluta ou outra coisa qualquer, porque as rodas nunca se mexeram.
Já que não se vai a lado nenhum, aproveita-se a praia
Terminadas as notícias, uma curta informação sobre o trânsito na capital. Nada de novo, mas fica sempre bem referir todas as artérias da cidade e dizer que há trânsito intenso em cada uma delas. Só faltou o directo com o repórter de trânsito no local, mas desconfio que não tenha conseguido sair da rua da redacção. Os eufemismos acerca do engarrafamento geral são deliciosos. Apeteceu-me abrir a janela e gritar «Trânsito era se isto se mexesse»!
Não me esqueci do provérbio. A sério.
Depois do panorama acerca do consumo de combustíveis fósseis de várias dezenas de milhar de automóveis durante horas para cada um se mover um par de quarteirões, traduzido apenas pela expressão trânsito intenso, seguiu-se o conselho de prevenção rodoviária.
Mais um pequeno aparte. Prometo que é o último. Confesso que contribuí, durante quase uma hora para o consumo de gasolina e mil vezes me arrependi de não ter ido a pé, até porque as obras obrigaram-me a um desvio de quase onze quilómetros. Nesta perspectiva, 1’800 metros a pé para cada lado, ao Sol e a pular poças de lama e regos de esgoto nem me pareceram maus de todo.
O conselho de prevenção rodoviária apelava ao bom senso das pessoas. Não é aconselhável andar depressa, dizia a senhora de voz agradável. A pressa é inimiga da segurança. Terminou com uma adaptação de um provérbio conhecido que, apesar de esquisita, pareceu-me a mais adequada ao trânsito de Luanda.
«Devagar e bem, há pouco quem.»
Em Luanda, só se circula a duas velocidades: depressa e parado. Em qualquer das situações é pedal no fundo – acelerador ou travão, conforme o caso. Quando se está parado, vemos sempre os espertos a tentar contornar e furar a fila, piorando tudo. Quando se anda depressa, são as ultrapassagens selvagens, são as passadeiras, as m’baias e as manobras demasiado cretinas para merecerem categoria própria. Concluí-se que, em Luanda, nem se conduz devagar, nem bem. Genial, a adaptação do provérbio à realidade. Os meus parabéns à locutora!
Olá Afonso…sei bem “que devagar e bem, há pouco quem”; mas se há algo que eu aprendi nesta cidade foi: muita calma, nessa hora! Aqui a pressa é outra! Quanto às escapadelas para irem ter com a outra? Não sei…mas será que já não vem do século passado de onde você foi buscar a alma de engenheiro antes de partir para Angola…mas não, quero mesmo acreditar, que a sua alma de engenheiro renasce perante o engenho de um povo em fazer crescer soluções onde só crescem desafios…a sua foto demonstra o engenho e a arte de um povo que não tem as condições de muitos povos. Com pouco faz-se muito! Um bem haja por documentar tão bem o engenho angolano! Obrigado pelos aerogramas!