Nas traseiras
Afonso Loureiro
Para não sentir tanto os efeitos das faltas de água e electricidade, a nossa casa tem alguns sistemas de emergência instalados. Com excepção dos supressores de picos que vão salvando frigoríficos e televisor das variações da tensão, os restantes, gerador e depósitos de água, moram numa jaula nas traseiras, entalados entre o anexo onde vive a filha do dono da casa e um conjunto de casebres abarracados onde moram outras pessoas. Um pormenor muito interessante é que estas construções improvisadas, apesar de terem paredes de madeira e plástico e telhado de chapa, têm ar condicionado.
As escadas que ligam as cozinhas de todos os apartamentos ao pequeno quintal onde ficam os geradores e os anexos já há muito foram fechadas com portas de chapa e grades, tornando cada patamar uma varanda quase quadrada, rodeada de grades. Sempre que vou a esta nossa varanda, fico com vontade de estender o braço através das grades e esperar que alguém me dê amendoins ou uma banana. Tenho reparado que há mais quem sinta o mesmo. Ali para os lados do São Paulo há um prédio com pequenas varandas cercadas por gradeamentos improvisados e todos os que as usam se agarram às grades com ar de prisioneiro.
O gasóleo de reserva fica guardado na varanda, fora de casa, mas não longe demais, não vá evaporar-se com garrafões e tudo. Sempre que é necessário reabastecer o gerador, tiram-se cadeados e trancas e escolhe-se o garrafão menos sujo. Não que adiante alguma coisa, porque estão sempre imundos à conta da extraordinária atracção do pó de Luanda pela gordura do gasóleo.
Há que descer as escadas em poses de contorcionista, evitando sujar a roupa e saltar sobre a cirurgia coronária do nosso esgoto da cozinha. Sim, também somos afectados pela tradicional instalação de derivações em torno dos entupimentos, de tal forma que somos obrigados a partilhar a escada com um tubo preto que leva o esgoto do lava-loiças directamente para a caixa do colector do prédio. Por vezes acontece que alguém pisa este tubo e ele se desencaixa da emenda. Damos por isso quando ouvimos a água de lavar a loiça a salpicar as escadas. Felizmente que escorre directamente para o colector. Voltar a encaixar o tubo não é agradável, mas tem de se fazer.
O contorcionismo não acaba na escada. Depois de abertos os cadeados da jaula do gerador, é necessário equilibrar o gasóleo numa posição impossível, porque a gaiola é demasiado pequena ou o gerador demasiado grande. Os salpicos são inevitáveis, mesmo usando o funil gigante no depósito. O banho a seguir à alimentação da fera enjaulada está assegurado.
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