A fronteira na areia
Afonso Loureiro
Os jactos modernos, para poupar combustível, voam muito alto. A paisagem costuma ser monótona, vendo-se quase sempre apenas a parte de cima das várias camadas de nuvens. Com um pouco de sorte encontramos algumas abertas que nos permitem espreitar o chão.
Por cima das nuvens do equador
Na mudança de estação, há dias excepcionais, em que não se avista uma única nuvem assim que se cruza o trópico de Câncer. Tive a felicidade de, num destes dias sem nuvens, ver o deserto do Saara surgir da savana cada vez mais rala.
A primeira ideia que temos do deserto é a de paisagem monótona, como geralmente são retratados nos filmes. O Saara é tudo menos um mar de areia monótono. A cada centena de metros a cor do chão muda, há ravinas e leitos de rios, arbustos e pedras espalhados segundo um padrão intrincado e não nos custa acreditar que seja possível memorizar estes acidentes naturais para nos orientarmos no chão.
Tudo menos monótono
Apesar de não ser todo igual, é de tal maneira grande que somos incapazes de recordar muitos pormenores e tudo se confunde. Não encontramos grande diferença entre a areia fina e amarela do senegal e o cascalho cinzento de certas partes dos Atlas. São diferentes, mas acabam por ser iguais por não os conseguirmos abarcar.
Erosão
Talvez por isso, é estranho encontrar uma fronteira desenhada no deserto. Procuramos, debalde, razões que expliquem o traçado daquela linha. Procuramos descortinar o que há de diferente entre um e outro lado da fronteira e, sinceramente, parece-nos que é tudo igual.
Fronteira no deserto
Mas, a separar Marrocos do resto de África, uma linha mais clara rasga o deserto. De um lado e de outro, algumas estradas mais estreitas correm paralelas. Pequenos edifícios ao longo da linha relembram que algures ali há uma terra de ninguém.
Caro Afonso,
A linha mais clara que viu do avião é com certeza um muro, que Marrocos construiu no Sahara Ocidental para impedir a penetração dos combatentes da Frente Polisario. Há uma referência a esse muro no blogue http://cppcsaharaui.blogspot.com/.
Há poucos anos vi na Internet uma foto aérea que mostrava a fronteira entre Angola e a Namíbia, a qual tinha sido tirada durante o apogeu da guerra em Angola. Na foto via-se com impressionante nitidez uma divisão perfeitamente rectilínea (a linha de fronteira) entre uma cor muito verde (no lado de Angola) e uma cor muito mais acastanhada (no lado da Namíbia). A difererença das cores devia-se ao facto de que a vegetação no lado da Namíbia era pastada pelo gado que era lá criado, enquanto que no lado de Angola não existia pura e simplesmente gado, por causa da guerra. Com certeza que agora já não deve haver qualquer diferença de cores entre ambos os lados da fronteira.