Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

24  11 2009

A inflacção na ponta dos dedos

Há certos conceitos que sabemos serem verdadeiros mas que, na verdade, não somos capazes de apresentar um exemplo concreto dos seus efeitos. A inflacção é um deles. Nas sociedades capitalistas, sabemos que os preços variam com a aplicação da lei da oferta e da procura. Geralmente sobem, o que, é considerado bom sinal, caso a subida seja controlada e moderada.

Numa economia saudável, o facto de os preços subirem, só por si não traz grandes desvantagens, uma vez que os salários, pelo menos em teoria, acompanham esta subida. Por este motivo, apesar de sabermos que as coisas estão mais caras, os efeitos no dia-a-dia são modestos e só fazendo um esforço mental para nos lembrarmos do quanto custavam as coisas no passado é que nos apercebemos das variações. Geralmente, esquecemo-nos de recordar quanto se ganhava na altura.

Corrida nas zungueiras
Uma corrida nas zungueiras

A menos de uma mudança de divisa, que nos congela as referências de preços numa determinada época, a inflacção normal não deixa marcas permanentes. Claro que fiquei espantado quando encontrei uma prova física dos efeitos da inflacção.

Quando estava a organizar os trocos que tinha na carteira, separando por valores as várias notas de kwanza de pequeno valor que se vão acumulando com o passar das semanas, reparei numa coisa intrigante. Em meados de 2008, as notas mais usadas e sujas eram as de 10 e 5 Kz, à conta das muitas vezes trocarem de mãos nos trocos e, devido ao seu baixo valor, serem pouco estimadas. As notas de 50 kz circulavam muito gastas, mas comparativamente mais limpas, talvez porque ainda valiam alguma coisa. Pouco mas valiam.

Vendedoras
Margens magras

Ano e meio depois, as notas de 50 kz juntaram-se às de menor valor no seu estado de conservação. As de 100 Kz ocuparam o seu lugar. Não é que não se emitam novas notas para substituir as estragadas, porque se vêem muitas notas novas, ainda duras e brilhantes, a circular. Só que o que os 50 Kz valem não paga o cuidado em preservar as notas. São apenas trocos.

Nunca pensei que a inflacção se pudesse notar tanto que levasse a mudar a denominação da unidade monetária mais circulada. Numa conclusão apressada, em cerca de 18 meses, o preço mínimo das coisas duplicou. O estranho é que, com os preços absurdos que se praticam em Angola, nem mesmo adiantando uma inflacção anual de 30%, fico minimamente preocupado.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “A inflacção na ponta dos dedos”

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  1. Embora tenha chegado à menos de um mês, ouvi um zum zum, em que o que é pretendido é que o kz seja uma moeda tão forte quanto o euro e o dólar e isso causa a inflação.
    O mais engraçado é que voltámos aos velhos tempos, pelo menos quando era míuda era assim, não há troco, leva pastilha e bombom, senti-me a recuar 30 anos… pelo menos aqui na zona é assim!
    O que mais me deixou impressionada foi o facto de pedirem pelo conteúdo de uma garrfa de gás, 6000 kz!!!! Por acaso não precisei de gás durante este período mas 6000 kz??????
    Por acaso o segurança do prédio onde vivo até consegue a 600 kz e na falta deste a 1500 kz, mas é um absurdo os 6000 kz!Prefiro nem pensar em euros caso contrário “passo-me” com o custo de vida aqui….

  2. Agora pode parecer muito dinheiro, mas com o passar do tempo acabamos por acreditar que tudo é possível e aceitamos como normal que uma garrafa de gás custe um terço do salário do segurança…

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