A última aventura de Leocádia
Afonso Loureiro
Num dado ponto da vida cruzei-me com aquela que viria a tornar-se a minha amiga Viviane, pessoa de outra época e de uma nobreza de carácter como já se torna difícil encontrar.
Transmitiu-me grandes lições de vida, misturando-as com episódios das suas memórias fascinantes. Auxiliou-me sempre que precisei e deixou que a auxiliasse quando necessitou.
Conheci-a já na recta final da viagem, a poucos dias de completar os seus 89 Outonos. Tive oportunidade de partilhar momentos de História vivida na primeira pessoa ao longo de quase todo o século XX, desde a história de vida do seu pai, que foi piloto na Grande Guerra, à sua aversão a bananas ganha durante a adolescência em Madagáscar, até à saudade com que recordava a devoção que o marido lhe tinha. Acompanhei-a na despedida de Paris e lugares de uma infância passada num tempo tão longínquo que não consigo sequer imaginar. Contou-me aventuras e desventuras que a experiência de uma vida tão rica é capaz de proporcionar.
A estrada chegou ao fim a duas semanas de completar 97 anos, encurtada certamente pelo desgoto que lhe trouxe a perda súbita da neta que sempre tratou como filha.
Soube do seu desaparecimento a meio mundo de distância, o que me entristeceu. Vi-a, pela última vez, na véspera de regressar a Angola, para combinar um encontro no Natal. é hoje o seu funeral. Entristece-me saber que já não acontecerá.
A sua memória não desaparece com o corpo. A pessoa especial que foi deixou marcas em muita gente. Até mesmo nas que não a conheceram sem ser pelo carinho com que sempre falei dela.
Aos 95 anos, depois de ter escrito as suas memórias, iniciou um blog, prova da sua imensa lucidez e curiosidade, sob o pseudónimo de Leocádia, interrompido apenas por questões de saúde. Transcrevo um dos episódios que contou.
[20 de Fevereiro de 2008]
«Ça fait aujourd’hui 20 ans que Vitorino Nemésio est mort. J’ai une anecdocte très amusante à son sujet.
Nous étions, mon mari et moi, réfugiés à Paris (à ma grande joie, je n’avais jamais espéré vivre à Paris!) de part la révolution des oeillets…
Un jour, on sonne à la porte, je vais ouvrir, c’est Vitorino qui, sans me voir, se jette dans les bras d’Armando, retrouvailles, grande excitation, ils se mettent à bavarder sans s’apercevoir que je suis là, on passe à table, ils dévorent tous les deux, parlant sans arrêt, jusqu’à la fin du repas, puis, au moment où je sers le café, Vitorino s’apperçoit tout d’un coup que je suis là (depuis le début), me regarde comme s’il ne m’avait jamais vue, et s’exclame: “Tiens! Vous! Comment allez-vous, ma chère?” – et je ne peux m’empêcher d’éclater de rire, devant ces deux vieux, qui comme deux gamins, sont tout à la joie de se retrouver!»
🙁
Lamento imenso a partida da sua amiga Viviane. Que descanse em paz e leve consigo esse fascinio de viver que o Afonso descreve.
Até eu estou triste e nunca a conheci. Só pelas histórias que contavas…
Perdeu-se sem dúvida uma grande mulher… da sua despedida o que mais que marcou foi o facto de até os empregados chorarem a sua perda.