A meio da noite
Afonso Loureiro
O fim da noite aproxima-se, embora a alvorada ainda pareça vir longe. Esticado na cama, com os braços e pernas a desenhar um X contorcido, acordo com aquele silêncio ensurdecedor que se abate sobre Luanda nas últimas horas antes do nascer do Sol. Depois de lutar contra o barulho para adormecer, é a falta dele que me desperta.
Não está nem frio nem calor, mas também estou a dormir destapado e quase nu. Viro-me de lado e sinto o suor escorrer-me pelas costas e empapar o lençol. Vou fugindo das zonas mais húmidas, mas depressa dou comigo quase enrolado no mosquiteiro. É preciso aguentar.
Passo os momentos seguintes a sentir cada nova gota a traçar-me linhas nos braços e costas. Na linha do cabelo surgem pequenas gotas que se juntam às da testa e me descem pela cana do nariz até pingarem sem ruído na cama. Já estou na dúvida se está frio ou calor. Clima tropical.
Duas horas depois, a cidade já despertou. O coro de buzinas e escapes recomeça, embora mais contido que habitualmente. O quarto também parece um pouco menos luminoso que o costume. Está ou dia cinzento, ou melhor, amarelento, porque o pó que enche o céu de Luanda também pinta as nuvens de laranja e a luz que filtram torna tudo amarelo. O ar está pastoso com tanta humidade.
Com esta descrição tão real da sensação desconfortável como acabamos por nos sentir aí em que a nossa pele fica pegajosa por mais banhos que se tomem, já me fez calar aqui quando resmungo com o frio e penso na vantagem que é andar sem tanto peso de roupa em cima. Sabe bem esse calor com o mar perto porque chega a ser doloroso aguentá-lo quando o peso do ar até custa a respirar. Já tenho na mala umas mini ventoinhas mas desconfio que as pilhas não vão chegar eheheheh