Crítica musical
Afonso Loureiro
Ao longo do caminho que sobe até ao Partenon, amontoam-se dezenas de cães e gatos vadios. Estão gordos e usam coleira. Não ligam nenhuma às pessoas que têm de os contornar quando estão estendidos ao Sol. Dizem-me que não há canis em Atenas, mas que os cães vadios são vacinados e esterilizados. Enquanto não andarem a morder pessoas são tolerados.
Naturalmente, procuram os locais onde a vida é mais fácil. Onde há turistas costuma haver muita comida e algumas festas sem grande esforço, com a vantagem adicional de não haver trânsito a incomodar as longas sestas no meio do caminho.
A convivência entre cães e gatos é a esperada, pelo que cada um procura não se intrometer muito no território do outro. Mesmo assim as bulhas acontecem e resultam num focinhos arranhados ou em gato com o seu saldo de vidas esgotado.
«E agora?»
Cá em baixo, na beira do caminho, Piotr, um russo de vida dura que já percorreu meia Europa, afina a guitarra sentado no seu banco articulado. As primeiras notas não são brilhantes e requerem mais um ajustamento nas craveiras.
Um dos cães da zona, de apurado sentido musical, resolve mostrar-lhe o seu desagrado oferecendo-lhe um gato morto. Percorre grande parte da rua com o bicho na boca e deixa-o no chão a uns metros do músico, que parou de tocar e fez uma cara de incredulidade.
O cão afasta-se, contente com o silêncio. O músico desarma a cadeira e olha em volta, à procura de outro local abrigado. Hoje está chuvoso. A todo o momento espero ouvir alguém dizer «E esta, hein?».
Eu diria que se trata de um cão, não só de apurado sentido musical, mas também generoso ao ponto de renunciar a um lauto jantar a favor de um músico em dificuldades.
Um abraço.