Se as notícias fossem só títulos…
Afonso Loureiro
Folhear o Pravda tropical é sempre uma experiência sublime. Nada se compara à enxurrada de boas notícias e artigos animadores que asseguram ser Angola o melhor país não só de África, mas do mundo inteiro. Apenas as más línguas o poderão acusar de tendencioso porque, como alguns angolanos me dizem, a sua única falha será pecar por defeito e não conseguir mostrar realmente quão grandiosa é a nação. Talvez seja por falta de páginas.
Habituado a ler primeiro os títulos das notícias e só depois aprofundar a leitura nas mais interessantes, costumo ter surpresas, daquelas que contrariam toda e qualquer lógica que ainda tenhamos a ilusão de existir. Assim, num país onde o imenso potencial agrícola é desperdiçado em campos abandonados ou minados e a agricultura de subsistência reina ou onde a criminalidade aumenta nas cidades a cada dia que passa, temos notícias com os seguintes títulos:
“Na província do Uíge – Capturadas milhares de moscas”
“Benguela abandona a produção de açúcar”
“Nas zonas rurais oferecidos ecrãs gigantes”
Confesso que são excelentes títulos. Cativantes ao ponto de me despertarem um interesse legítimo na notícia, uma verdadeira curiosidade indomável. Quis saber porque se perseguiam moscas em vez de bandidos e se os agricultores de Benguela tinham largado as lavras e trocado as enxadas pela televisão nova.
Afinal, ofereceram mesmo ecrãs gigantes e antenas parabólicas para os agricultores verem a bola e a novela. Água, ferramentas, sementes e médicos virão mais tarde, talvez. Dizem que é para incentivar as crianças a praticar desporto e não se tornarem ladrões. Infelizmente, a televisão vai mostrar-lhes também um mundo de sonho que só conseguirão atingir de formas menos lícitas.
E, na província de Benguela, a cana-de-açúcar vai mesmo acabar. Segundo dizem, as plantações actuais não têm dimensão suficiente para as refinarias, que também irão fechar. Abrem falência por excesso de capacidade de produção, por assim dizer. Parece que em toda a província não há locais com dimensão suficiente para instalar uma plantação de 20’000 hectares contíguos, ou melhor, haver até há, mas estão ocupados por explorações pecuárias cujos proprietários não são expropriáveis, quer pelos seus galões, quer pelas suas agendas telefónicas. Dizem que vão começar a plantar hortícolas e leguminosas nas plantações abandonadas. Espero apenas que comecem a tratar das novas culturas antes de acabar com a existente.
A notícia com o título mais surreal acaba por ser a mais interessante. Quem vê caras não vê corações e quem vê manchetes pode não ver a notícia. Em Novembro, no Uíge, foram capturadas moscas aos milhares, reza o título. O corpo da notícia adianta 11’480 como valor mínimo. Mas não são moscas quaisquer, são moscas tsé-tsé, o que é uma boa notícia, porque mostra que há esforços a ser desenvolvidos na luta contra a doença do sono. Não ficar doente é capaz de ser melhor que ter uma televisão nova…
A grandiosidade de Angola sempre fez sonhar alto, muito alto, os angolanos, certos angolanos, principalmente uns de côr mais pálida, ou que já tinham frequentado o Salvador Correa ou certas escolas de missões.
Claro que os velhos sobas do interior nunca sonharam nem alto nem baixo, não sei hoje teem sonhos.
Então qual eram os sonhos desses angolanos? Um dia seremos o seguno Brasil! Se os caputos nos derem a independência, ainda seremos uma segunda América!etc.
Isto era nos anos 60 e 70 do século passado. Claro que muitos desse tempo embarcaram com os retornados, mas alguns ficaram em Luanda escrevendo uns livros e umas memórias, e tentando concretizar os sonhos grandiosos.
Só espero que as semelhanças ao Brasil, não venham a ser os muceques e Luanda iguais às favelas do Rio d Janeiro.
Pelo menos o Rio (colonial) e outras cidades antigas são preservadas religiosamente no Brasil.