Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

02 2010

Cativar os seguranças

Seguranças sentados em cadeiras partidas à porta das lojas e bancos, quase sempre a dormitar, são uma instituição angolana, uma definição de identidade nacional, digamos.

São um subproduto da guerra civil. Representam a resposta a tempos conturbados em que as lojas eram assaltadas com muita frequência e também à falta de preparação de muitos homens para outra coisa que não segurar numa arma. Os combatentes, recrutados ainda adolescentes, sem instrução e sem profissão, foram empurrados para serviço de sentinela nos tempos de paz.

Pelo aspecto das novas montras das lojas, que começam a dispensar cada vez mais as grades grossas em troco de uma grande vidraça que permita expôr a mercadoria, o clima de insegurança que motivou a contratação de guardas para cada porta está a dissipar-se.

Por outro lado, os seguranças limitam-se apenas a marcar presença. Há muito que foram proibidos de usar armas em serviço e, em caso de assalto, saem da frente do ladrão não vá sobrar para eles. O salário de miséria que recebem não é o suficiente para se chatearem. Não morrem de fome porque recebem uma refeição por dia e é costume fazerem dois ou três turnos de 24 horas seguidas para pouparem nos transportes para casa.

Por serem tão mal pagos e estarem habituados a nada fazer, quando chega a altura de intervir, uma vez que até foram equiparados a agentes da autoridade, qualquer desculpa serve para se deixarem estar esparramados na cadeira desengonçada. Se arrombam um carro em frente à loja que os contratou, não viram ou estava muito escuro para perceber quem era. Aliás, a menos que os donos dos carros da redondeza vão contribuido com umas gasosas aqui e ali, é mínima a esperança de que sequer levantem a voz aos ladrões, quanto mais intervir.

Alguns lojistas resolveram ser criativos e atacaram este problema de uma forma inesperada. Em vez de aumentar os salários, o que seria encarado como pagar mais para os seguranças continuarem a dormir, cativaram-nos com benesses intangíveis. A solução mais criativa que encontrei até agora foi um montarem um pequeno televisor no fundo da loja virado para fora. Os programas entretêm os seguranças mas, como o ecrã é pequeno, força-os a ficar perto da porta.

A meio da noite, os seguranças das lojas vizinhas arrastam as cadeiras para junto dessa loja e assistem juntos ao futebol ou ao que estiver a passar. Mesmo que o programa seja aborrecido e acabem por adormecer, obstruem de tal maneira a passagem que desmotivam qualquer assaltante.

O sistema funciona tão bem que quase garanto que o dono dessa loja pode dispensar o seu segurança, já que os vizinhos estão a pagar para que os seus lhe guardem a televisão. O único aperfeiçoamento que consigo imaginar é que deixem o comando do lado de fora. Assim, se o programa for mau a assistência pode trocar de canal.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

5 respostas a “Cativar os seguranças”

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  1. lol. É verdade, vi pela 1ª vez esse ‘truque’ (o da TV) na farmácia que fica por baixo do meu prédio. Ecran bem pequenino, e uns 10 sentados em cadeiras, a obstruir a porta.

    Será que foi este que serviu de exemplo ao post?

  2. Essa sugestão de colocar o comando no exterior já foi implementada em Portugal. Uma vez eu vi um homeless junto à montra de uma loja de electrodomésticos que tinha mesmo o comando para ir alterando os canais … ao mesmo tempo fazia “segurança”. Começo a acreditar que as diferenças entre Portugal e Angola não são assim tantas 🙂

  3. Já há muitas lojas na baixa a usar o esquema.

  4. Retrato muito bem feito.

    Só não dá para rir porque em Portugal, assaltar lojas. bombas de gasolina, carros e bancos é tão vulgar que seria bom importar alguns desses seguranças, porque os seguranças portugueses tambem não têm muito dinamismo e a assiduidade deve ser menor.

  5. De facto numa “outra vida” passada nessas terra, introduzi o mesmo sistema de segurança na minha loja, mas na versão “aguenta o programa inté o final mêmo”. Se fosse hoje aderiria ao modelo mais recente “mude você mêmo e aguenta com a discussão”. Saiu tiro? Paciência…

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