Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

02 2010

Hesitação toponímica

A aparente arbitrariedade que reina a nova toponímia de Luanda é inexplicável. Todos admitem que é um sentimento lícito desejar apagar as marcas do passado colonial. Por essa razão há pedestais vazios e escudos com as quinas apagadas.

Seria compreensível que se procurasse também alterar a toponímia de forma a que os heróis do colono fossem substituídos por outros mais de acordo com a nova era. Mas a verdade é que tal não sucede. Os pais das independências de vários países africanos, os ídolos da ideologia do regime e os heróis angolanos ligados ao partido no poder viram os seus nomes atribuídos às ruas com menor conotação à repressão colonial, como lhe chamam, e, estranhamente, foram preservados aqueles que poderiam gerar sentimentos de revolta.

Os vários comandantes da guerrilha contra o Exército Português e os da guerra civil, de coragem comprovada ou apenas relatada, viram os seus nomes substituir os das ruas mais emblemáticas da cidade, quase como que lutando para ver quem conseguia uma rua mais importante.

Rua Direita de Luanda
A principal rua da Luanda Velha

Não consigo perceber a razão de se mudar o nome da Rua Direita mas que se preserve as de Governadores Gerais de Angola ou as dos vencedores das guerras contra tribos várias. Da mesma forma acho estranho que as personagens da História mais longínqua da cidade, Paulo Novais e Salvador Correia, por exemplo, sejam simplesmente esquecidas. Podem representar o colono, mas sem eles a cidade e o país não existiriam como os conhecemos.

Mas, uma vez tomada a decisão, também não se pode aceitar que se fique a meio caminho. Quando se muda o nome de uma rua tem de se fazer de uma vez só. As hesitações só mostram falta de convicção no gesto. Não será o custo dos painéis de azulejos a explicar razão porque, tantos anos após se ter atribuído o novo nome, a Rua Direita de Luanda ainda tenha placas com o nome antigo.

Rua Major Kanhangulo
ex-Rua Direita

Felizmente que os correios não distribuem porta-a-porta e ninguém liga às moradas, recorrendo todos a pontos de referência em vez de nomes de ruas, porque senão a confusão seria digna de uma Torre de Babel.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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