Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

02 2010

Qualquer sítio serve

Os luandenses têm um extraordinário à-vontade para regar qualquer pedaço de parede, pára-choques alheio ou berma de estrada que encontrem em momento de aflição urinária. A desculpa habitual é a falta de sanitários públicos, mas notam-se diferenças de decoro entre quem procura um canto recatado para esvaziar a bexiga e aqueles que o fazem no meio da rua enquanto pedem números de telefone às raparigas que passam.

É um choque cultural, mas temos de o aceitar. A dada altura deixa de nos incomodar. Aliás, se a mais ninguém faz confusão, apenas podemos concluir que o problema é nosso. Mas assim que nos tornamos imunes aos urinadores na via pública somos confrontados com outras coisas que nos deixam a pensar se é verdade que sejamos os únicos enganados na cidade inteira.

À vista do Governo Provincial, a um quarteirão do Ministério das Relações Exteriores e mesmo debaixo das janelas do Ministério da Economia é frequente ver um dos pedintes profissionais do bairro sentar-se na pontinha do degrau da casa em ruínas e, com os calções pelos joelhos, deixar um belo monte de caca montada em espiral no meio do passeio, quase com direito a uma bandeirinha no topo a atestar a sua perfeição. Quem quiser que desvie o olhar ou tape o nariz, que ele terminará o serviço com a maior das calmas, como quem está sentado na sanita a ler o jornal.

Não é o acto do pedinte que me choca, é a aparente normalidade com que a situação é encarada. O polícia que guarda a porta do ministério está a ver o que se passa, o segurança da loja ao lado também e quem tem de desviar os pés do presente acabou de ver quem o deixou. Nenhum deles reclama. Nenhum deles diz que está mal. Quase adivinho que encolham os ombros e pensem «Isso é Angola…»

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Qualquer sítio serve”

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  1. oi
    aquilo que faz mal a nossa saúde nos deichamos, pasar mas já a muito tempo que os angolanos deixaram de ser angolano.

  2. Este episódio fez-me lembrar uma ida ao meu banco para os lados do Saldanha em que no momento em que ia a sair, uma senhora baixa as calças e num momento de aflição urinária se alivia à minha frente. Claro que o episódio não foi visto como natural e houve medidas que foram tomadas, porque a senhora não estava boa da cabeça… é bom que haja situações que não sejam normais.

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