Amargo
Afonso Loureiro
Há dias em que não se deve escrever. O que nos vai na alma é demasiado negro para que saia alguma coisa de agradável ou positivo.
Parece que a Depressão do Cacimbo ataca um pouco mais cedo este ano. Fico na dúvida se é só a mim ou se apenas estou a reparar mais nas pequenas arrelias e discussões a que assisto na rua. Talvez os muitos meses seguidos em Luanda, com todas as suas pequenas contrariedades que se acumulam e pesam cada vez mais, tenham levado a melhor. A contagem decrescente para o fim do contrato também não ajuda nada, porque os dias custam a passar e as saudades de casa vão-se acumulando até que parecem transbordar. Não tenho alma que as contenha. Os últimos meses parecem mais longos que os dois anos acordados pareciam à partida.
Cumprindo a promessa que fiz a mim mesmo de terminar o Aerograma quando me deixasse de dar prazer, estive por um fio para entrar em sabática e interromper os artigos diários. Sem nada de construtivo para acrescentar, repetir o que já tinha escrito ou apenas dizer mal para desopilar o fígado não faria sentido nenhum.
Mas escrever exorciza os fantasmas e escrever sobre o medo que se tem do que saia da pena, neste caso teclado, é uma boa maneira de confrontar as nuvens negras que me atacam nesta mudança de estação. Tenho de pensar no que ainda me falta descobrir, no que quero aprender.
Há que voltar ao Huambo, há que voltar a Massangano, há que me despedir de Angola, que é um país fantástico assombrado por uma Luanda ainda em clima de guerra.
Não quero ficar amargo e desiludido só por causa da cidade e dos insultos que toda a gente troca pela mínima coisa. Não quero ficar marcado de vez com as coisas negativas que me rodeiam e às vezes me fazem odiar Luanda, que não é Angola, mas às vezes se confundem. Não quero descarregar as frustrações nos amigos, que não o merecem. Quero ser capaz de sorrir até ao último dia e poder dizer um adeus já com saudades da porta do avião de regresso.
Amargura
Há dois anos terminava as negociações com a empresa angolana que me contratou. Até à partida vivi na expectativa de vir conhecer um país sobre o qual já tinha ouvido falar muito e que me enchia a imaginação, mas não fazia a mínima ideia do que iria encontrar. Depois vieram as consultas de medicina tropical, os vistos, as burocracias e os receios naturais nestas alturas.
Os balanços finais ficarão para depois, para quando as memórias más se esbaterem e ficarem apenas as que costumam aparecer nos álbuns de fotografias, com rostos conhecidos a sorrir.
Voltar a Massangano, ao Dondo e ao Huambo… Tudo bem. E Ndalatando, Malanje e Kalandula? Já conhece? Já alguma vez viajou para lá do Caxito e Mabubas, seguindo pela estrada que fura a selva (a autêntica e genuína selva africana, que foi palco da guerra colonial) e que conduz à cidade do Uíje? Se calhar ainda tem muita Angola para descobrir, mesmo sem se afastar muito de Luanda.
Afonso, você disse tudo. Escrever espanta os fantasmas. Muitas vezes também fico sem vontade de escrever, mas ai minha cabeça começa a pensar e acho um assunto pra escrever. Escrever é algo que amo e me sentirei muito infeliz o dia em que não puder fazer mais isso. Um abraço.
Ainda falta percorrer essas estradas. Resta saber se terei oportunidade.
Caro Afonso, todos temos dias assim e um dia não são dias!
Se me permites, e não for abuso, gostava de te encomendar um artigo.
Tenho ouvido falar muito das grutas do Novo Redondo (Sume). Como também sei que é um tema que gostas, talvez fosse uma boa dica. O que dizes?
Abraço
Meu Caro,
É preciso continuar a mostrar que Angola não se define – sente-se. É isso que aqui, neste espaço de liberdade consciente, encontramos. Por isso não há, não pode haver, férias para ninguém. Nem férias nem paragens. Por alguma razão quando me falta o prazer de escrever (e também falta…) tento descobrir o antídoto. E um deles chama-se Aerograma. Por isso…
Orlando Castro
Uma visita às grutas de Sumbe ficou planeada há quase um ano, mas ainda não tive oportunidade de lá ir. De qualquer das formas, a estação das chuvas não é a mais indicada para a visita e tenho de esperar pelo Cacimbo.
Um bem-haja pelo encorajamento.
Bem Afonso,
é bem verdade que, por vezes, uma nuvem negra paira sobre qualquer um de nós. Mas, para lhe adoçar o bico, aqui deixo uma receita que é deliciosa e fácil de fazer. Mãos à obra!!
PARACUCA
1kg de ginguba natural (sem ser torrada)
1kg de açúcar
1 litro de água
Deitar todos os ingredientes numa panela e levar a lume brando. Depois de levantar fervura, mexer com uma colher de pau, sempre lentamente. Mexer sempre até a paracuca estar bem solta. Espalhar num tabuleiro para arrefecer.
Deliciar-se, claro e depois dizer qualquer coisa. Faça a quantidade que quiser. (não precisa de ser tanto)
Força!!
Angola? o mais difícil são os primeiros 20 anos!
Antes que algum dia o Aerograma tenha sido destruido, quem sabe se por um ataque de kissonde, fica aqui o registo dos cheiros tropicais que ele me foi trasendo. Cruzaram o Atlântico, mas chegaram sempre fresquinhos.
Apetecia-me que continuassem a chegar, mesmo que às vezes soubesse ao amargo da fruta por madurar.
Nem de propósito, tinha acabado de comprar um pacotinho de paracuca quando li a sugestão.
E a paracuca ficou boa?
Já agora, o que é a paracuca que se vende em pacotinhos? 🙂
Espero que ela tenha ajudado a levantar o ânimo!
Coragem! Quem ultrapassou tanto obstáculo até chegar ao presente, não é agora que vai desanimar e achar longo o tempo que falta para regressar, ou se deixe abater, ainda que momentaneamente, por situações ou ocorrencias que são frequentes no quotidiano de Luanda.
Neste momento em que escrevo já estará tudo bem, certanmemte! Assim o desejo!
Maria
Comprei paracuca feita. E estava muito boa. Quando comprar ginguba vou tentar fazer eu.
Como em qualquer outro lugar, a vida em Luanda tem altos e baixos. Há umas semanas foi um baixo. Agora só pode vir um alto.