A estiga do sotaque
Afonso Loureiro
Tenho-me esforçado para conseguir transmitir a minha experiência de Angola da maneira mais fiel possível. Nem sempre tem sido fácil, porque há assuntos que custa a traduzir em palavras sem as poder acompanhar com mímica e onomatopeias inventadas na altura. Vou adiando abordar o tema, primeiro buscando inspiração, mas depois como solução improvisada para esconder a incapacidade de o descrever. Uma emenda mal amanhada, digna de figurar ao lado das derivações de esgotos em Luanda.
Um destes temas difíceis é a passagem à forma escrita dos sotaques. A menos de muita criatividade ortográfica, que resultaria numa salganhada incompreensível até para o leitor mais interessado, só a transcrição fonética permitiria alguma aproximação. Mas esta abordagem implicava retirar o sotaque do seu meio natural e dissecá-lo num laboratório estéril, onde perderia toda a sua piada, qual animal em cativeiro.
Hoje tento o impossível, porque é melhor tentar e falhar redondamente do que ficar sentado à espera que a ideia fuja. Vou falar dos sotaques dos angolanos vistos por eles próprios.
As conversas mais divertidas que tenho com os colegas angolanos acontecem quando todos nos esquecemos de que terra somos e eles, os angolanos, começam a gozar com outros angolanos que falam como nós, os portugueses.
Infelizmente, sou perfeitamente incapaz de descrever a maneira absolutamente deliciosa como imitam os que estiveram em Portugal. Com ar de riso, falam baixinho e devagar, com as sílabas bem marcadas e ditas com muita solenidade, enquanto inclinam a cabeça de um lado para o outro. «Boa noite. Como está a senhora?» – risada – «Lá em Pertugále, a gente bebe binho…» – muitas risadas.
São uns venenosos
Gozam indecentemente com os que perdem o sotaque de Luanda. Dizem que não os percebem, que têm de falar alto porque são africanos e não há africano que se preze que fale baixo. Os outros afinam e insistem em manter o sotaque lusitano. Riem-se uns dos outros a falar ao telefone e dizem que os que têm o sotaque «Lá de Pertugále…» gastam mais saldo porque falam muito devagar.
Eu só os posso felicitar pelas imitações, que são mesmo muito boas.
Bastante bem visto. Já antigamente os luso-afro-descendentes e brancos que se diziam de segunda, gozavam com os brancos colonos que chegavam do puto.
E, como os brasileiros, tambem já diziam que o português dos luandenses é que era correto.
Agora de rir, foi quando os brasileiros no Brasil que nem sabiam que Portugal tinha colónias em África, e com o 25 de Abril começou a ver na televisão os MPLA’s e UNITAS E PAIGC, e diziam eles, “neguinho falando como o portuga, podiii?
Aííí Uuéééé… más têem epretos no cabeça!