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25  05 2010

No Mayombolo

Em Angola, perguntar se se acredita em feiticeiros é tão desnecessário como querer saber se o mar é salgado. Ninguém duvida que eles existam, nem do que acontece aos que os desdenham do seu poder. O feitiço explica tudo o que foge da normalidade, sem necessidade de entrar em grandes detalhes.

Em certas tribos do sul de Angola e norte da Namíbia, produz-se ferro por processos artesanais a partir de minério recolhido à superfície. O método de fundição é relativamente simples, mas reveste-se de muitos rituais complicados que o tornam numa cerimónia religiosa ou num encantamento só ao alcance de alguns feiticeiros. O feitiço é de tal forma importante que o ferro produzido sem a parte mística é sempre encarado como de inferior qualidade.

A magia é tão prevalente que ninguém se diz que conhece um sujeito que tem um amigo que viu o feiticeiro transformar-se em leão, admite-se directamente que se viu com os próprios olhos e alguns acrescentam ainda que eles também são capazes. Só não mostram ali mesmo como é, porque geraria uma confusão danada ver na cidade um leão grande, forte e, acima de tudo, muito bonito.

Os mais poderosos e famosos vangloriam-se de resolver os problemas para lá de difíceis e de realizar feitos impossíveis, como o feiticeiro das Mulembas, que mandava umas ondas bwé fortes e dizia voar em cascas de jinguba para qualquer parte do mundo. Curam doenças incuráveis, tornam os carecas cabeludos e rogam pragas mortais a quem os afronta.

Os feiticeiros não se fazem da noite para o dia. Precisam de muitos anos de aprendizagem com alguém mais experiente, um mais-velho. Por essa razão se diz que os albinos são feiticeiros. Se ficam tanto tempo fechados em casa, devem aproveitar para se dedicar a estudar a feitiçaria e aprender a comunicar com o mundo paralelo. O Sol é apenas desculpa.

Albina protegendo-se do Sol
Feiticeira, certamente

O grande poder dos feiticeiros reside no seu saber na altura de invocar os espíritos do Mayombolo, que é o lugar para onde vão os que morrem e não encontraram o caminho, por terem sido desviados por quem lhes comprou a alma a preço de saldo. O sofrimento do Mayombolo só terminará quando um espírito forte, alguém clarividente nestas questões de almas penadas, as identifique neste mundo de sombras e as liberte, deixando-as continuar viagem para o paraíso ou inferno.

As pessoas vendidas para o Mayombolo morrem fisicamente, mas as suas almas ficam a trabalhar nas lavras dos feiticeiros como escravos, continuando o sofrimento terreno até que sejam resgatadas, coisa que poderá nunca acontecer, uma vez que só com muito trabalho conseguem ser localizadas. O Mayombolo, um limbo de sofrimento sem esperança, em certos aspectos é pior que o próprio inferno, pois nem sequer permite a resignação à pena merecida no por pecados cometidos e inflinge um suplício psicológico adicional.

Duelo dos Deuses - IURD
As almas do Mayombolo fizeram horas extraordinárias

As almas do Mayombolo que cada feiticeiro tem ao seu serviço, não só para os trabalhos terrenos, mas também para os trabalhos espirituais, têm de executar, sem questionar, todas as ordens, mesmo que tal seja contra sua vontade. Os feitiços mais poderosos envolvem sempre a intervenção de um condenado do Mayombolo contra os que fazem parte do mundo dos vivos, causando doenças e mortes súbitas. Raras são as vezes em que as almas do Mayombolo são usadas para o bem.

Por estas e por outras, fui aconselhado a perguntar sempre se as fotografias que me tiram são para vender no Mayombolo. Não acredito em bruxas, mas à minha volta são todos tão convictos, que mais vale prevenir.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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