O princípio do azul é difícil
Afonso Loureiro
Há textos cuja principal dificuldade é saber como os começar. A ideia já está delineada na cabeça, o corpo do artigo mais ou menos estruturado e o fim, todo bonito, também parece escrever-se a sim mesmo. O início é que custa. Começar de vez em quando in medias res é aceitável, mas é um recurso que deve ser usado com parcimónia, como os trunfos na bisca lambida.
Mas hoje poucas opções me restam senão começar de uma maneira deselegante, porque nem o assunto se presta a ser abordado do meio para o fim, nem do fim para o princípio. Comecemos, então.
Está um fabuloso dia de Agosto. Logo a abrir, uma constatação do óbvio e um galicismo para o confirmar. Daqui para a frente só pode melhorar.
Dizia eu que está um fabuloso dia de Agosto, de temperatura amena e uma brisa para manter as folhas das árvores a mostrar que o horizonte não é uma tela pintada. As ruas estão vazias. Ainda há muita gente de férias. Apesar da brisa, das crianças no jardim e do ocasional automóvel na avenida, o tempo parece ter parado. Tanto pode ser uma manhã sossegada como um final de tarde de um dia pacato. Esta é a razão porque não pude começar a meio da história. Hoje é um dia sem história, que será recordado não pelo que foi, mas pelo sentimento que deixou. A data será esquecida rapidamente, por oposição a este magnífico céu de um azul que não cabe nos olhos.
O céu deste dia
A cor do céu desta tarde, um azul perfeitamente homogéneo, sem uma única nuvem à vista, rivaliza com as representações celestes do Renascimento, quando os pintores competiam para conseguir obter o azul perfeito e guardavam as composições das tintas como segredos de estado. É de tal forma bonito, que não há câmara fotográfica capaz de o registar na sua plenitude. Talvez se consiga reproduzir-lhe a cor, mas tudo o resto fica para ser imaginado.
Com minha grande pena, apesar do azul do céu e a brisa na cara serem um conforto para a alma, é-me impossível descrevê-los, mesmo que mal, porque julgo não haver palavras suficientemente abrangentes e, ao mesmo tempo, precisas para o fazer.
Fico-me pelo desabafo do difícil que é relatar uma emoção indescritível. Podia ter escrito uma linha apenas, dizendo que o dia estava bonito, ou podia ficar o resto do mês a falar do quanto me tocou. Prefiro ir lá para fora gozá-lo.
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