Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

20  08 2008

Seguranças

Dormir num primeiro andar pode ter muitas vantagens. O sossego não será uma delas. É certo que morar mesmo por cima de um salão de jogos com aspecto de bar de alterne também não ajuda.

Como muito prédios em Luanda, há um corpo de porteiros/seguranças que passa o dia inteiro sentado à porta. O trabalho não é muito por isso é preciso ir ocupando o tempo. Quando não dormem no átrio, ao abrigo dos olhares indiscretos, estão sentados lá fora, numas cadeiras de plástico partidas e remendadas com cartão. Entre as sestas mais ou menos profundas e as conversas com os seguranças quer do salão de jogos, quer do prédio ao lado, vão ouvindo rádio. O aparelho, muito roufenho,  está ligado a uma tomada nas escadas do prédio. O volume é suficientemente alto para se ouvir lá fora, pelo que temos música dentro de casa o dia inteiro.

Ao fim-de-semana é o vizinho de cima que resolve dar música à vizinhança. Tenta competir com os moradores do prédio em frente. Não nos podemos queixar da falta de animação.

Um pouco mais abaixo, há dois seguranças que todos os dias vejo jogar damas com um tabuleiro desenhado num pedaço duma caixa de papelão, com caricas e pedras a fazer as vezes de brancas e pretas. Sentam-se frente-a-frente e apoiam o tabuleiro nos joelhos. Prestam mais atenção ao jogo que ao serviço, mas ninguém se incomoda.

Os seguranças cá da rua complementam o seu vencimento com a reserva de lugares de estacionamento. Um balde do lixo, um pilar de betão ou um resto de uma cadeira impedem a ocupação de um lugar estrategicamente colocado à porta do prédio que vigiam. Sempre que um morador chega, desocupam o lugar e auxiliam na manobra. Curiosamente, só ajudam na marcha-atrás… Antes do condutor sair do carro, terminam o serviço dobrando os espelhos para dentro. Depois esperam alguns Kwanzas. Para sair, não há ajudas para ninguém. É o dono do carro que põe os espelhos no sítio e se desenrasca a sair do lugar. Uns minutos depois, o segurança levanta-se da cadeira e torna a ocupar o lugar…

No prédio em frente trabalham dois seguranças friorentos. Nas noites mais frias, quando a temperatura desce para uns modestos 20º, montam um abrigo com umas caixas de cartão. Se estiverem de pé, consegue-se-lhes ver o topo da cabeça. Lá de dentro não sei o que vêem, mas não deve ser muito. A primeira vez que vi o guarda-vento montado fiquei com a sensação de que tinham contratado dois seguranças sem-abrigo.

Ainda não fiz bem as contas, mas tenho a ideia que nesta rua há quase tantos seguranças como habitantes. Não posso dizer que seja mau. Com tantos olhos a controlar as idas e vindas, esta rua aparenta ser muito mais segura que as ruas em volta.

Acerca do autor

1

Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

2 respostas a “Seguranças”

Nota: Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados.
  1. Afonso,

    Também acho incrível a vida desses seguranças. Descobri que são chamados de Senhor Proteção. No link (http://diariodaafrica.blogspot.com/2008/07/senhor-proteo.html) você poderá ler minhas impressões sobre eles.

    abs.,
    Diário da África

  2. Os seguranças, sendo uns sem-abrigo, zelam pela segurança dos abrigos dos outros! Somos todos iguais, mas uns mais abrigados do que outros!
    Que nunca te falte o abrigo.

Deixe uma resposta

Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.

« - »