Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

18  10 2010

Ciclo vicioso do desinvestimento

O contínuo desinvestir do Estado e empresas públicas nos serviços que deveriam ser assegurados para garantirem a qualidade de vida, implica que, a partir de certa altura, os ideiais neoliberais que justificaram essas políticas de desinvestimento se sustentem a eles mesmos. Desinveste-se porque não há lucro ou porque se houver, esse lucro tem de ser direccionados para o sector privado.

Há sectores que, por natureza são deficitários. Fartos de pagar impostos para que se desperdice dinheiro andamos todos nós, mas julgo que ninguém ficaria aborrecido se visse os impostos aplicados na coesão social do país. A saúde pública não pode dar lucro, tal como a educação e algumas linhas de comboio. Mas, desde que se instituiu o conceito do utilizador-pagador e se assumiu que até mesmo os serviços públicos devem ser lucrativos, incutiu-se o sentimento de que estações de correios, transportes públicos e centros de saúde devem ser pagos apenas por quem deles se servem. O papel social do Estado desaparece, afogado nas ligações ao sector privado.

Passamos a ter um país de ricos, que podem pagar a saúde, as estradas onde circulam e a educação dos filhos e um país de pobres, que não podem pagar nada disto. A dada altura, até os ricos ficarão sem estradas porque eles não serão em número suficiente para pagar a manutenção das vias. Suspeito que então revertam para o Estado, para que os pobres as paguem com os impostos, à semelhança do que tem acontecido nos últimos anos.

Estação de Marvila
Estação encerrada, máquina de bilhetes avariada

As estações de comboio fecham ou tornam-se apeadeiros vandalizados porque têm poucos passageiros. Os passageiros passam a afluir cada vez menos e a decisão de encerrar a estação deficitária justifica-se a si mesma.

As novas urbanizações partem do princípio de que todos têm carro, de que não existem transportes públicos em quantidade e regularidade suficiente para servirem os novos moradores, aliás, a rede de transportes públicos é ignorada. Os próprios moradores partem desse princípio e procuram casas sem sequer pensar na rede de transportes. As próprias câmaras municipais sabem disso e não coordenam os novos projectos com redes de transportes, insistindo em subsidiar carreiras de autocarros que circulam vazias, prestando um serviço meramente simbólico. Finge-se serviço público.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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