Água radioactiva
Afonso Loureiro
Com uma década entrada no século XXI, na Beira interior, ainda há aldeias sem água canalizada, para não falar de redes de esgotos e tratamento de águas residuais. Há certas comodidades que se dão por garantidas no mundo moderno, fazendo até parte das fórmulas de cálculo dos índices de desenvolvimento humano. O saneamento básico é uma delas.
No Concelho do Sabugal, o lugar de Quinta do Clérigo ainda está um pouco à margem deste desenvolvimento. A água canalizada limitava-se aos fontanários, abastecidos por nascentes próximas. A pouca população e a zona remota onde está a aldeia votaram-na a um quase esquecimento.
Mas os poucos que lá vivem resolveram tomar medidas e instalaram eles mesmos uma rede de água canalizada, à semelhança do que foi feito noutras aldeias. Fizeram também um furo capaz de abastecer toda a aldeia, para não depender das nascentes. Mais tarde a Câmara trataria de colocar contadores e assegurar o tratamento da água.
A obra fez-se e todos acharam ser uma grande vitória ter água em casa. A Câmara instalou os contadores, com a condição de zelar pela qualidade de água. Fizeram-se as primeiras análises e vieram as más notícias. A água que tanto tinha custado a conseguir, era imprópria para consumo. Os níveis de radioactividade eram várias vezes superiores ao limites máximos aceitáveis para ser considerada potável.
Ao que parece, o furo foi demasiado fundo, atingindo um lençol freático ao nível dos filões de volfrâmio e urânio que tornaram famosas as minas da região na altura da Segunda Grande Guerra. A água daquela profundidade nem para regar as hortas era apropriada, segundo os técnicos da Câmara.
A dos poços e nascentes, essa sim, continuava boa. Por muito que custasse, a água canalizada teria de ser adiada. A solução foi voltar aos fiéis fontanários.
Para as gentes da região a notícia não foi surpresa nenhuma. É contada não com espanto, mas com resignação; foi um azar que aconteceu. Histórias de água radioactiva são correntes e, no fundo desse vale, as ruínas das termas das Águas Radium são a prova de que, noutras épocas, não se achavam nocivas.
Ruínas das termas
Para já, não se avista solução rápida para o problema da Quinta do Clérigo e da sua rede de água canalizada radioactiva. Talvez uma nova captação, mais distante dos filões das minas ou um depósito elevado abastecido por um furo menos profundo. A ver vamos.
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