Greve Geral
Afonso Loureiro
Sendo patrão de mim mesmo, tenho carta branca para chamar nomes ao chefe. Ele sabe que é tudo verdade e não tem remédio senão perdoar-me. A única parte chata é que o tenho sempre a espreitar por cima do ombro. Por outro lado, tenho a certeza de que quer o melhor para mim e não se atreve a despedir o seu melhor empregado (e o pior também). Paga-me mal, é verdade, mas essa é uma reclamação comum a todos os patrões.
No entanto, apesar desta boa relação com o patrão, hoje faço greve. Não por causa dele, mas porque me sinto cada vez mais espoliado das expectativas de ter, no mínimo, uma vida como as dos meus pais. Parece que esta geração que começou a trabalhar quase na viragem do século não se poderá orgulhar de uma vida melhor que a da geração anterior.
Faço greve, não por ver goradas as minhas expectativas, mas por saber que são goradas para que não se toque nas expectativas dos accionistas dos bancos. Faço greve, não porque a minha paragem deixe marca, mas porque é a minha única arma de protesto.
Pois eu dou-me por contente todos os dias por não ter a vida dos meus pais. Lembro-me bem das histórias que o meu pai contava de haver dias em que só jantava uma fatia de pão, quase transparente de tão fina, e que em dias de festa tinha direito a uma posta de bacalhau. Também me lembro da minha mãe me contar que começou a trabalhar com 16 anos, enquanto que a minha maior preocupação aos 16 anos era se os meus pais me íam deixar ia à festa de anos da não-sei-quantas.
A crise afecta-me, todos os dias, e cada vez mais. Faz-me contar trocos, fazer ginástica financeira para ultrapassar as despesas inesperadas, adiar projectos pessoais para pagar contas, há dias até em que me faz desesperar, mas ainda tenho uma casa, um carro, comida na mesa todos os dias para mim e para os meus.
O que me faz levantar e continuar é o meu sonho diário com dias melhores. E apesar de todo este meu queixume, os meus pais estão concerteza contentes por as minhas maiores dificuldades serem tão mais fáceis do que as deles foram.
A mim custa-me que as conquistas dos nossos pais, à custa de muito sacrifício, estejam a ser destruídas em nome de não sabemos bem o quê.
Vai ser a primeira vez que faço greve…