Calçada assinada
Afonso Loureiro
A calçada portuguesa é uma das marcas das ruas de Lisboa, especialmente as da Baixa, onde os calceteiros se esmeram a criar mosaicos de pedras pretas e brancas.
Ampliam os desenhos originais para fazer moldes de cartão, com os quais iniciam o trabalho, preenchendo espaços com pedras talhadas a golpe de martelo. Cubos, prismas triangulares ou pentagonais ou até mesmo hexagonais nos trabalhos mais delicados, vão sendo cravados e batidos no areão um a um.
De joelho no chão e costas curvadas, os calceteiros são figuras anónimas, que nunca mostram o rosto e até mesmo a sua obra fica anónima, sem uma assinatura ou menção do autor da obra. Nas esculturas, o canteiro que talhou a pedra em nome do escultor, às vezes é recordado, mas os calceteiros permanecem anónimos. Sabem que a sua obra será um dia refeita por outros, tal como eles o fizeram a calceteiros de gerações anteriores, por causa de uma obra ou buraco inesperado.
Avenida da Liberdade
Mesmo assim, há alguns que não resistem e tentam deixar a sua marca para a posteridade. Havia, mesmo em frente ao Elevador da Glória, uma dessas assinaturas anónimas na calçada. O padrão no passeio incluia vários círculos pretos e num deles o calceteiro resolveu, com algumas pedras brancas, acrescentar um par de olhos e um sorriso rasgado. Era a sua marca.
Durante umas obras prolongadas na zona, toda aquela calçada foi levantada e o desenho desapareceu. No final da obra, os calceteiros refizeram os desenhos segundo o padrão original. Os mesmos círculos pretos adornam a calçada, mas o sorriso-assinatura do calceteiro da geração anterior ficou esquecido.
Engraçado, esse do sorriso não cheguei a conhecer, mas quem desce a Av.da Liberdade pela direita pouco antes da entrada do metro Avenida algum desses artistas fez um pequenino pássaro que nao está integrado em nenhum padrão, como se tivesse parado para um cigarrito e improvisasse divertido.
São as pequenas fugas ao padrão estabelecido que tornam a calçada portuguesa uma coisa sempre nova. Conheço o pássaro em questão, mas não tinha nenhuma fotografia dele à mão. Tenho de lá ir.