Borregas de Vendas Novas
Afonso Loureiro
Os dias frios sabem sempre melhor com uma lareira acesa à espera em casa, não só pelo calor que liberta, mas também pelo fascínio hipnótico das chamas. Com as suas formas sempre em sobressalto, parecem querer contar romances de cavalaria, com corcéis incansáveis de galope recreado à custa de estalos das achas e dragões zangados sempre que um jacto de gás quente escapa do interior da madeira e se inflama com um silvo. Mais tarde, com o borralho silencioso a aquecer a sala, imaginamos o descanso do herói. Partirá à procura da donzela na torre assim que lhe acordarmos o cavalo, juntando lenha nova à lareira.
Com a chuva e o frio, a primeira tentação é ir usando a lenha melhor, deixando os troncos grandes, que ardem mal, para o final. Chega um dia em que no telheiro da lenha sobram apenas estes. É preciso rachá-los em cavacos para podermos continuar a história e aquecer os pés.
O trabalho é simples. Duas cunhas de metal, uma marreta e uma machadinha revezam-se até que o tronco se rache em dois e depois quatro e oito. Infelizmente, não o fazem sozinhos e é necessário aplicar marretadas na cunhas com entusiasmo para se chegar a algum lado.
As mais difíceis são as primeiras, em que teimamos em bater na cunha de esguelha, mas depressa nos lembramos como se acerta nela com os braços bem esticados, bem no centro, como se estivéssemos a pregar carris às travessas. O ranger da madeira e o vibrar metálico das cunhas contam outras histórias, mas a que nos interessa mesmo é a da lareira, por isso continuamos a martelar.
Ao fim de algumas horas, há lenha rachada suficiente para mais uns dias de histórias e pés quentes, o que vem mesmo a calhar, porque há também umas costas doridas e três aborrecidas bolhas nas mãos para curar – as tais borregas, como lhes chamam em Vendas Novas.
E não só em Vendas Novas, os meus pais são da zona de Arganil e lembro-me de ouvir o meu pai a usar esse termo quando eu fazia bolhas nas mãos – quando o ajudava a rachar lenha ou a cavar terra (à enxada).
O único sítio onde tinha ouvido, foi em Vendas Novas ou em naturais da zona, mas é de esperar que haja outras regiões onde a expressão se aplique, como é o caso.
Curioso, curioso é que ambos a conhecemos à custa de rachar lenha…
Detesto o frio, mas prefiro pôr mais uma camada de roupa do que estar perto de uma lareira (em casa da filha) e ou aquecedores que não tenho, porque me sinto pessimamente mal.
Não conhecia a expressão de “borregas”, aprende-se todos os dias:)
Os meus apanham lenha na serra (após limpeza camarária que deixa à beira dos terrenos e se ninguém a levar depois recolhem) e usam-na mesmo molhada. Já fui muitas vezes com eles e com as netas, limito-me às pinhas:) e já em casa o meu genro é que serra ou usa o o machado:)
Pois eu não sou alentejana mas, no Alentejo, os pés também têm borregas!! Em vez de bolhas (quando, por exemplo, os sapatos morderam!)
E ainda querem, à força, impor-nos acordos ortográficos…