Próximas alterações acorditas
Afonso Loureiro
Para além das consoantes desaparecidas que nos obrigam a ler três vezes o mesmo ou a pronunciar as palavras com sotaque sul-americano para lhes perceber o sentido, mais alterações estão na calha. A supressão dos acentos, com a desculpa de que o contexto permite perceber se há ou não vogais abertas é infeliz. Muitas vezes lemos a frase até ao fim para decidir se a primeira palavra é uma ou outra. Novamente, é mais fácil abrir as vogais todas e esperar que o sotaque português a imitar brasileiro não se note muito. Ainda hoje estou para decidir se deva ou não abrir a primeira vogal em “Para o carro!”, uma legenda que apanhei de relance na televisão.
Prensado a frio
Para evitar tais confusões, suponho que o próximo passo será acabar com todos os acentos. A justificação vai ser a mesma, simplificar, facilitar, escrever como um imbecil porque há imbecis que não sabem escrever. E, entretanto, vender mais dicionários com a versão corrigida do acordo ortográfico.
Para os que, como eu, têm vontade de arrancar os cabelos com o acordita que nos tentam impingir por decreto, e para os outros que a acham o suprassumo da barbatana, aconselho a leitura do artigo Essa sinistra guilhotina, do Professor Doutor Fernando Paulo Baptista. De seguida, se não o fizeram ainda, assinar a ILCAO.
Tenho uma sugestão para (não confundir com a forma do verbo parar) os cérebros que planearam o AO: e que tal se, a seguir, se banissem algumas letras, como o H e o X? O E tambm nao faz falta nhuma, s pnsarmos bm.
Ja imaginaram a quantidad d papl qu s poupava? ‘ ou não ‘ uma idia vncdora?
A Câmara de Sintra está a promover uma actividade intitulada: Sintra pára para ler. Atendendo a que com o novo acordo ortográfico o verbo não leva acento, a atividade passa a designar-se assim: Sintra para para ler!
Eu sou brasileiro, e odeio essa supressao do acento em “Para”. (Estou escrevendo sem acentos porque estou em um maldito teclado francês).
Mas, segundo o que eu escutei, essa reforma é necessaria para unificar o idioma e pelo menos poder desenvolver coisas simples, como um certificado universal de fluência na língua portuguesa. Falamos de forma diferente, nos expressamos de forma diferente (sempre quando ligo nos canais portugueses tem aquele momento de “What?” que dura 3 minutos para pegar a “cançao” do português “português” :D), mas ao mesmo tempo quero poder falar com todo o direito que falo “português”, e nao “brésilien”, como alguns franceses e alemaes dizem.
Abraços,
Fernando.
Este acordo é apresentado como forma de união apenas da ortografia, não do idioma, mas até nisso falha, porque as duplas grafias anteriores multiplicam-se, admitindo ainda mais excepções e variantes. Por outro lado, nada se faz em relação às diferentes estruturas sintáticas e gramaticais que o português europeu e o português brasileiro têm. Livros portugueses têm de ser “traduzidos” para serem aceites no Brasil e vice-versa, com ou sem acordo.
Para tornar este acordo ainda mais intragável, a pretensa unificação da língua portuguesa deixou de fora todos os restantes países lusófonos e a sua pedra basilar, o vocabulário ortográfico comum, nunca chegou a ser criado, pormenor que só por si inviabiliza a aplicação do tratado internacional que rege este assunto.
Este acordo ortográfico, como se apresenta, não serve os interesses de nenhuma das partes. Gera ruído e confusão. Gera dinheiro para quem edita dicionários e vocabulários ortográficos (Bechara e Malaca).
Antes do AO90 portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, santomenses, guineenses, timorenses e macaenses entendiam-se, não entendiam?
Um certificado de fluência na língua portuguesa não seria difícil de estabelecer, mesmo sem uma reforma da ortografia.