Avenida António Enes
Afonso Loureiro
Queluz cresceu à sombra do Palácio. Durante duzentos anos foi este o centro em torno do qual orbitava a vida da povoação. Sem ele, Queluz seria apenas o lugar do cruzamento da estrada de Sintra com a de Algés a Belas, no que ainda hoje é conhecido como «Os Quatro Caminhos», o largo materializado pelas avenidas Elias Garcia, da República, D. Pedro IV e António Enes.
Com a chegada do comboio e o fim da Monarquia, o centro do lugar tornou a ser o cruzamento. O centro da povoação afastou-se do Palácio. O comércio e as pequenas vilas onde se vinha passar férias cresceram entre os quatro caminhos e a linha de caminho-de-ferro, no troço da estrada de Belas a que se deu o nome de António Enes, em homenagem ao importante escritor, deputado e Comissário Régio em Moçambique que morreu em Queluz em 1901.
Conheci a Avenida António Enes ainda com poucos prédios e muitas ruínas das antigas vilas. Na altura, era ladeada de grandes plátanos, cujas copas se tocavam e fechavam a rua num túnel verde, o que a tornava muito apetecível nos dias de Verão. A iluminação pública consistia numa série de candeeiros pendurados em cabos que atravessavam as copas, por ser impossível usar postes normais. É uma memória de infância vívida.
As árvores cortadas
Entretanto, a cada vila que era demolida para dar lugar a mais um prédio de vários andares encostado ao do lado, várias árvores eram abatidas, muitas com o pretexto de que era a única forma de movimentar as máquinas e outras apenas porque se aproveitavam as estremas do lote para erguer as paredes em vez de usar a área de implantação da casa demolida. A avenida foi perdendo as árvores aos poucos, até restarem apenas uns exemplares miseráveis e maltratados. O túnel verde tornou-se um deserto estéril de tinta plástica e marquises de alumínio. Ficou horrorosa.
Árvores novas substituem as velhas
Recentemente descobri que as últimas destas resistentes foram também cortadas. Subi a avenida e contei dois ou três cepos com os anéis ainda bem visíveis. Os últimos testemunhos do que tinha sido a avenida desapareciam. Felizmente que o fizeram por outros motivos que não o corte cego. Pouco mais à frente, novas árvores ocupavam o lugar das que tinham sido abatidas há décadas e alguns caldeiros abertos no passeio de novo ostentavam também o seu rebento. Volta a haver árvores estimadas na António Enes. Talvez regressem os candeeiros pendurados num fio e as tardes de Verão fresquinhas. Talvez.
Esperemos que não as deixem secar
Neste momento sobra apenas uma árvore adulta, das muitas dezenas que bordejavam a rua. Era a mais pequena das seis que ficavam junto ao armazém da estação de comboio. Quando construiram a nova estação, o pior, menos funcional e mais feio mamarracho do mundo, as árvores quase centenárias estavam contempladas no projecto arquitectónico. Ficariam a esconder o edifício e disfarçavam a pequenez do largo, mas o argumento de que as máquinas não passavam foi mais forte e abateram cinco árvores colossais. Curiosamente, as máquinas raramente por ali andaram. Os desaterros e fundações especiais foram todos feitos mais a oeste.
Por acaso não tem nada sobre a Rua António Enes, em Angola?!
Foi a minha primeira morada em Luanda, mas pouco mais tenho que a lembrança do nome. Não ficava muito longe de São Paulo, para onde me mudei depois – Rua da Ambaca.
Agora fiquei outra vez cheia de saudades…