O quebra-molas, marca do progresso
Afonso Loureiro
Há poucas décadas, o primeiro sinal de que o progesso tinha chegado a uma qualquer vilória de Portugal era um orgulhoso conjunto de semáforos. Terra sem semáforos era sinónimo de tempos medievos, com carros de bois e homens de chapéu. O progresso anunciava-se com luzes verdes, amarelas e vermelhas perto do largo da Câmara ou em frente à Junta de Freguesia. Grande parte deles era inútil, ou atrapalhava mais o trânsito do que as regras de prioridade que vinham substituir, mas eram um investimento absolutamente necessário para se ganhar as eleições seguintes – a civilização chegou à vila, já temos semáforos!
Hoje em dia, os semáforos estão ultrapassados. Qualquer lugarejo tem os seus, com controlo de velocidade por radar, apitos para os peões (mesmo que não haja passeios por perto) e já não representam a modernidade. O último grito são as rotundas. Uma rotunda, mesmo que mal encaixada na estrada antiga, permite sempre que se descerre uma placa comemorativa enaltecendo o Presidente da Câmara e ainda sobra espaço para lá por uma qualquer escultura de gosto duvidoso que se encomendou ao primo de alguém do partido. Uma rotunda é a verdadeira marca do progresso. Cada terra da era moderna almeja ter a sua.
Por ser moda, também qualquer lugar com mais de duas casas começa a ter mais rotundas por habitante que Viseu, famosa há largos anos pela sua indústria de rotundas e redondéis. Daqui a uns tempos terão de encontrar outra forma de marcar a chegada do progresso à cidade. Talvez venham aí rotundas com semáforos e portagens.
Já no Brasil, o primeiro sinal de que a civilização chegou às aldeias mais remotas é o modesto quebra-molas. Pode não haver electricidade, nem água potável, mas se lá chega um trilho onde passam mais do que motorizadas, os habitantes pedem ao prefeito que mostre trabalho e lá instale uma lomba alta. Se não houver cooperação da prefeitura, abate-se uma palmeira e deixa-se atravessada na estrada com uma pequena rampa de terra de cada lado. Faz o mesmo efeito e transporta instantaneamente a povoação do tempo dos jumentos à idade do motor de combustão interna.
Pare, chegou o progresso
Talvez o modesto quebra-molas pareça não servir para mais do que testar a paciência dos condutores ou criar oportunidades de negócio para os mecânicos especializados em travões e suspensões, mas diz-nos logo que aquela povoação é suficientemente importante para que forasteiros lá passem sem parar. Não é o fim da estrada, há locais ainda mais remotos, assim o promete a lomba. Como benefício adicional, os carros abrandam ao passar, o que faz a povoação parecer maior.
Mas neste jogo de querer mostrar que o progresso já chegou sob a forma de quebra-molas acaba por revelar que algumas aldeias são tão pequenas que se enquadram na categoria de povoados de um quebra-molas só.
Deixe uma resposta
Nota: Os comentários apenas serão publicados após aprovação. Comentários mal-educados, insultuosos ou desenquadrados serão apagados de imediato.