Aerograma

Isento de Porte e de Sobretaxa Aérea

09 2008

Vias de facto

Quando cheguei a Luanda disseram-me que a violência nas ruas era algo de normal. Aqui pelas Ingombotas tem-nos passado ao lado, mas sabemos que na Maianga e noutros municípios da grande Luanda vai havendo umas lutas e noutros sítios é frequente ver alguns jovens, daqueles que nunca chegarão a velhos, ostentar cicatrizes de um desporto conhecido como luta com cacos de garrafa.

Não se ficando pela luta corpo-a-corpo, há sempre quem recorra ao que estiver à mão para ganhar vantagem. Pedras, paus e garrafas são boas armas. E garrafas de cerveja vazias é coisa que não falta em Luanda. As marcas deixadas não se resumem a cortes. Há tendões, nervos e vasos cortados que incapacitam membros e vidas permanentemente.

Até agora ainda não tive o desprazer de assistir a nenhum destes eventos, mas já vi o resultado de uma zaragata. Dois sujeitos, com um ar embrutecido por muita cerveja e muita pancada cambaleavam pela rua rodeados de miúdos a rir e a gritar.

O mais franzino andava só de cuecas, descalço e com a carapinha desgrenhada. Arrastava um pano que já poderia ter servido de camisa ou de calções. Estava rasgado e sujo de lama.

O mais encorpado, trazia a t-shirt torcida e rasgada, com marcas de puxões. Tropeçava nas próprias pernas e tinha os lábios inchados e ensanguentados. Muitas cicatrizes na cabeça rapada mostravam não ter tido uma vida fácil e de esta não passar de mais uma luta.

Ambos mantinham os olhos no chão, espreitando o rival pelo canto do olho no outro lado da rua.

Julgo que não tenha havido vencedores. Apenas dois vencidos pensando que teriam ganho qualquer coisa se não tivessem sido separados a tempo.

As crianças mostravam sorrisos imensos. A pancadaria deve ter dado um bom espectáculo.

Com as eleições à porta, não pude deixar de pensar se não teria sido o culminar de uma discussão de simpatizantes de partidos diferentes. Espero estar enganado e que isto não seja um prelúdio para o dia 6 de Setembro.

Acerca do autor

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Nascido no século passado com alma de engenheiro, partiu para Angola, de onde envia pequenos aerogramas.

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