Semana Santa
Afonso Loureiro
Mal saí de casa dei de caras com mais decorações partidárias. O último dia de campanha serviu para gastar os últimos milhares de bandeiras da UNITA e do MPLA.
Ambiente festivo
A caminho do trabalho, achei estranho não haver muito trânsito. Apenas os candongueiros circulavam. Quase vazios, na sua maioria.
O escritório também estava vazio… perguntei o que se passava. Tolerãncia de ponto decretada pelo Governo para que a população melhor pudesse assistir aos comícios de encerramento de campanha das várias forças políticas.
Voltei para casa.
Dei uma volta pelos quarteirões perto da Mutamba, para ver como estava o ambiente. Vi partidários da UNITA ajudar a erguer pendões do MPLA. É bom ver que se convive com as diferenças.
Passei o resto da manhã a conversar com os seguranças da porta do prédio. Têm os olhos abertos para a situação política do país e são críticos de muitas coisas, mas esperam que a vida melhore. Estão ansiosos pelas próximas eleições, para ver o sistema democrático a funcionar, querem alternância sem saber muito bem o que é. Fazem perguntas acerca de quem é o Presidente de Portugal, mostram-se espantados quando ouvem dizer que o Presidente não manda nada e que é o Primeiro-Ministro que tem o poder. Perguntam pela idade o Mário Soares. «84 anos? Yá, já é mais-velho… E o Cavaco agora é Presidente? Foi com ele que se assinou o acordo de Bicesse, aquele que o Savimbi não cumpriu… Em Portugal há desemprego? E os salários? E no resto da Europa? Aqui ganha-se mal… mas quando aumentam o salário, tudo sobe de preço. Uma cerveja a 70 Kwz, onde já se viu?»
Um dos seguranças cabeceava. Dois turnos de 24 horas dão nisto. Passado um pouco foi fazer umas contas de cabeça lá dentro. O colega ficava de plantão.
«Luanda havia de estar assim todos os dias», comentava um, «sem engarrafamentos, sem trânsito. Mas os ministérios estão todos aqui. Quem quer fazer alguma coisa tem de aqui vir. Haviam de os mudar para fora da cidade. Havia menos confusão…»
Chegou um jornal com notícias das últimas obras inauguradas pelo JES. Desta vez tinha sido um supermercado.
A recente febre de inaugurações do Presidente da República / do MPLA o fez ganhar um cognome: Zé Dú, o Corta-fitas. Um dos seguranças brincava e dizia que, quando acabasse as obras no quarto-de-banho, convidava o Zé Dú para o ir inaugurar.
Veio o almoço. Fui para cima e deixei-os comer à vontade.
Amanhã não há tolerância de ponto decretada, mas estou a adivinhar que muita gente não irá trabalhar…
Ao contrário do que acontece em Angola, aqui ganha-se bem e quando os salários aumentam os bens de consumo não sobem de preço. Não há desemprego e, se muitos jovens vão trabalhar para Angola é porque gostam de aventura.
Aí, estás a ter uma semana santa, aqui, somos todos santos, passamos a vida a dizer: Amén!
Santinho!
Realmente que vida santa um dia de tolerância… esperemos que votem com consciência, tempo para refletir não faltou.