Dilema do Morto e do Vivo
Afonso Loureiro
Por esse mundo fora tenho reparado na relação que as pessoas têm com o dinheiro. Com as notas, especialmente. A maioria costuma ordenar as notas na carteira por valores ou tamanhos. Dá jeito para se procurar a nota certa. Quem não usa carteira adopta outros sistemas. Em França costumavam-se dobrar ao meio e espetar-lhes um alfinete. Mesmo nos dias que correm, não é invulgar encontrar notas de euro com uns quanto furinhos a indicar a sua proveniência. Em Angola, como as notas têm valores desajustados à maioria das transacções, opta-se por fazer molhos de notas embrulhados nelas próprias.
Outro hábito que as pessoas têm quando estão a organizar o dinheiro, é de orientar as notas todas para o mesmo lado. Pessoalmente, gosto de virar a faixa do holograma para cima quando estou a juntar notas de euro. Quase sempre de cinco, infelizmente.
Em Angola, porque as pessoas não são diferentes das demais, também se orientam os Kwanzas todos da mesma maneira. O Morto e o Vivo ficam sempre do mesmo lado. Há quem chame às notas de Kwanza as notas do Morto e do Vivo, em alusão às efígies dos dois Presidentes da República desde a independência, Agostinho Neto, o Morto e Zé Dú, o Vivo.
O dilema vem a seguir. Toda a gente dobra os maços de notas a meio, porque circula mais dinheiro nos bolsos e nas pontas dos panos do que nas carteiras. Mas para que lado dobrar? Para dentro, tentando asfixiar o Mais-Velho da nação, como se se quisesse fazer uma nota com dois Mortos, ou para fora, expondo os Chefes de Estado à indignidade de serem esfregados entre as mamas das zungueiras?
E agora, para dentro ou para fora?
” Agostinho Neto, o Morto e Zé Dú, o Vivo”.
Zé Dú não é só vivo. É muito vivo.
Fabulosa a ideia do mais velho a roçar nas mamas das zungueiras 🙂