Qual recessão?
Afonso Loureiro
No ano em que as economias de muitos países se ressentiam do preço petróleo que não parava de bater recordes, Angola ria-se da desgraça alheia. A crise nunca cá chegaria, porque quem tem petróleo tem tudo.
O mundo atravessa uma crise financeira causada pelo dinheiro fictício que surgia em negócios demasiado rebuscados para serem credíveis, mas em que todos acreditavam para não parecerem demasiado cépticos. Alguém gritou que o rei ia nu e o castelo de cartas ruiu.
Angola continuava a rir-se e a apregoar que não sofreria com esta crise. Afinal de contas, a sua economia depende de algo palpável, o petróleo. De imediato se suspeitou que esta fosse uma história mal contada e cedo se descobriu que, afinal, a crise afecta todos. Até os angolanos!
As reservas do banco central diminuiram subitamente, de maneira inexplicável, balbucia quem, dias antes, apregoava a solidez económica de Angola. O crescimento económico angolano, segundo as regras inventadas pelos que causaram a crise, fazia inveja a muita gente. Agora, depois da crise, servem de exemplo para os perigos das economias africanas.
O que não se diz é que esta definição de recessão não se aplica a Angola. Há coisas que temos de admitir e uma delas é que Angola é especial. Avaliar o desempenho económico de um país segundo os padrões do mundo capitalista funciona muito bem quando se trata de um país desse mundo. Não é sequer credível tentar aplicar as mesmas normas aqui. É tentar medir o perímetro de uma esfera com um tijolo.
Angola não tem tecido industrial. Na verdade, não produz quase nada. O pilar da economia é o petróleo. Logo a seguir vêm os diamantes e o resto, as migalhas, não são alvo da atenção de ninguém. A agricultura é, quase exclusivamente, de subsistência. Tudo se importa, até mesmo o que deveria ser produzido localmente.
Ora, se não se produz nada que acrescente valor à matéria-prima, como se poderá falar de recessão? O país cresce ou retrai-se economicamente ao sabor das variações cambiais ou do preço do petróleo.
A economia angolana comporta-se como uma rolha no mar. Se a onda a faz subir, cresce, se a faz descer, retrai-se, mas o facto é que estará sempre a tona. Outros países comportam-se mais como uma pedra, que só com muito esforço da parte de quem nada (os que produzem) é que se mantém perto da superfície.
A Recessão Angolana servirá apenas para justificar o apertar do cinto dos que não podem, para que os outros mantenham o nível de vida a que o petróleo caro os habituou.
Cinco estrelas, embora lido à distância geográfica e, também, temporal.
Visitei este blogue ontem e, depois de uma rápida olhada, ficou “linkado”. As cinco estrelas vão para todo o blogue, a partir da mensagem de hoje.
Muito lúcido seu comentário. Teria dois pontos a ponderar:
1 – Já ouvi de pelo menos 1 angolano em posto chave que o aumento estratosférico do preço do petróleo não seria benéfico para ninguém, nem para Angola. Antes da crise.
2 – A imagem da rolha no mar é pertinente, mas nesse caso a rolha não seria feita de cortiça. De gelo, talvez, como os icebergs. Boiam, mas com o tempo perdem substância.
Abraços