Lasquinhas coloridas
Afonso Loureiro
Lembro-me de, nos anos oitenta, ver à venda prensas para restos de sabonete, instrumentos que permitiam aproveitar todos aqueles pedacinhos de sabonete tão pequenos que já não dão jeito, mas que não deitamos fora porque somos unhas-de-fome.
Anunciava o fabricante que, juntando um número suficientemente grande de pedaços de sabonete, e pressionando com vigor, se obtinha um novíssimo sabonete colorido em forma de bolacha.
A única falha do plano era mesmo ter de coleccionar todos aquelas lascas até ter uma quantidade suficiente para fazer um sabonete pequenino. Todos sabemos que, ao fim de umas semanas, o sabonete está tão ressequido que é impossível fazer alguma coisa dele e acabamos por vê-lo aguentar, estoicamente, sobre o lavatório até ao dia em que se desfaz por completo e não nos deixa solução senão empurrar as migalhas pelo ralo abaixo. Mas os senhores venderam a prensa!
Poderão perguntar-se o que recordações obscuras da década de oitenta têm a ver com a vida em Luanda, mas a verdade é que são os pequenos pormenores que acabam por ter importância. Tenhamos paciência, que o mistério será revelado um pouco mais à frente.
Lava, lava, lava. Esfrega, esfrega, esfrega. Hmmm… que cheirinho a limão!
O abastecimento de géneros em Angola é algo demasiado complexo para que o comum dos mortais compreenda verdadeiramente a sua dinâmica. Todos os produtos importados sofrem do fenómeno a que chamam «Porto de Luanda», um misterioso buraco negro da logística que nos obriga a nunca usar a mesma marca de sabonete no decurso da estadia.
Cada sabonete que se compra tem uma cor ligeiramente diferente do anterior, quando não é mesmo altamente contrastante. O seu destino é sempre o mesmo. Vão minguando até se tornarem inúteis e serem despromovidos com a chegada de um sabonete novo. As lasquinhas coloridas acumulam-se no fundo da saboneteira, por causa daquela mania de não deitar nada fora. Ao fim de umas semanas, começo a suspirar pela tal prensa de sabonetes da infância…
E eu que acabei de comprar meia dúzia dos teus sabonetes preferidos e não tenho por quem os mande. Já tentei o truque da “joaninha avoa, avoa…”, mas estas Joaninhas ainda não fazem vôos intercontinentais e continuam, apenas, a levar as cartas a Lisboa. Pensando bem, talvez seja melhor “avoares” tu em busca do sabonte apetecido.
Muitos sabonetes cheirosos para ti.
Beijos
Caro Afonso,
Tenho estado ausente e só agora estou a pôr em dia a leitura do Aerograma e não resisto a revelar a minha fórmula para o aproveitamento das lascas do sabonete:
estreia-se o sabonete novo e no fim do banho agarra-se a lasca anterior, molha-se e cola-se ao novo sabonete; deixa-se a secar e no próximo banho já está tudo ligado. Não se perde nada.
Os meus cumprimentos.
elmiro