O Rasto Divino
Afonso Loureiro
As visitas papais são sempre acontecimentos marcantes. Todos os países se preparam o melhor que podem, tentando passar uma imagem mais civilizada, mais arrumada e moderna.
Não sei se é por acharem que o senhor se deixa deslumbrar com obras de fachada ou por se esquecerem que ele está muito mais bem informado do que parece. Afinal de contas, o Vaticano deve ter dos melhores serviços de informações do mundo.
Os pecadilhos são recorrentes e quase julgamos que as obras de fachada não são tanto para receber o Papa, mas mais para fazer crer que se fez um esforço para receber o condignamente.
A visita do Papa às favelas do Rio de Janeiro ficou famosa pelas ruas asfaltadas e os telefones instalados nos bairros mais marginalizados. A televisão não mostrava, mas os telefones nem tinham linha. E foram retirados do lugar quase com a comitiva ainda à vista. Obra de fachada.
Em Angola, seria estranho se se esperasse algo diferente. A preparação para as eleições mostrou como se pode lavar a cara a Luanda de uma forma rápida e barata. As avenidas principais, e só essas, tiveram direito a ver as fachadas, e só essas, pintadas de novo. Os passeios, que até nem estavam assim em tão mau estado, foram desfeitos para que se construissem uns novinhos.
A algumas semanas da chegada do Papa, as cenas repetiram-se. Um pouco por todo o lado, fachadas que não viam tinta desde a época colonial foram pintadas de alto abaixo. A bem da economia e rapidez, escolheram-se apenas as fachadas que ficariam de frente para o Rottweiler da Baviera.
O prédio sobranceiro ao Estádio dos Coqueiros, na zona nobre da cidade, nem no tempo colonial teve direito a tinta. Era revestido a pastilha, que são aqueles quadradinhos de azulejo que já caíram em desuso. Os anos e o clima, associados aos remendos improvisados deixaram-no com um ar feio e gasto. Mas ficaria demasiado perto do Papa para que ele não reparasse. A solução era óbvia: pintura de alto abaixo com as cores da pastilha, para não destoar.
O contraste entre a pintura nova e os remendos deu origem a um fenómeno curioso, a que só consigo chamar de Efeito o-Papa-passou-por-aqui. Pinta-se a eito porque com o barulho das luzes ninguém repara.
O Papa passou por aqui
Não sou contra a pintura, muito pelo contrário. Só que este prédio, com a fachada agora bonita, continua em tão mau estado como antes. Talvez se tenha tornado mais perigoso, porque agora parece menos doente e pode ficar esquecido na altura da recuperação. Obras de recuperação profundas saíriam mais caro e o aspecto exterior poderia até ser o mesmo, mas teria sido bem mais sensato.
Uns meses depois da visita do Papa, um incêndio nos geradores que se amontoavam em gaiolas e jaulas nas traseiras provocou a morte a duas pessoas e vários feridos. A fachada ficou intocada…
Foi pintado a correr…E agora com a visita da Hillary Clinton como vai ser? Será que vao haver mais mudanças? De certeza que o país vai parar…