Terceiro acto
Afonso Loureiro
O prólogo do último acto da tragédia é apenas o choro da mãe que não quer deixar a sua casa. Sentada na soleira da porta, olhando para a rua que já não existe, reclama que foi ali que cresceu. As vizinhas, mais conformadas, dizem-lhe que é inevitável, que tem de se resignar, que a vida dos pequenos é assim mesmo. O pano desce.
A soleira do prólogo
Ao longo dos últimos meses, os dois primeiros actos da tragédia da Travessa da Mutamba foram-se desenrolando com a aparente inevitabilidade que rodeia as obras em Luanda. Aos poucos, as paredes foram sendo derrubadas, preparando o terreno para mais um sinal de modernidade.
A demolição passo-a-passo
Abre num novo dia, por sinal um Domingo de Cacimbo que acordou preguiçoso. A cidade ainda está silenciosa e as ruas vazias. Os poucos haveres de três famílias são carregados quase sem barulho no balde de um camião de transporte de terras. Duas escavadoras vermelhas inertes sobre um mar revolto de entulho preenchem o cenário.
Data de nascimento
Aos haveres juntam-se as pessoas. O camião parte, em direcção a Viana. Alguns olham para trás, de coração apertado, vendo a casa desaparecer ao virar da esquina. Outros sentam-se de costas, com os olhos inchados, revivendo memórias.
Memórias esbatidas
O Sol surge no céu, furando o véu de cacimbo que o escondeu até tarde. O camião regressou vazio. Despejou a sua carga de gente e vidas como se mais uma carga de entulho fosse. Espera agora que o encham de novo, com o entulho em que as escavadoras transformaram as últimas quatro paredes que resistiam na travessa mal-amada.
Fim da memória
A obra trágica inspirada nos últimos dias da Travessa da Mutamba chega ao fim. Cabe agora a vez às escavadoras de limpar o cenário. Sobrarão as memórias dos que lá passaram ou viveram.
Agora resta esperar pela obra que se segue. As apostas para o número de andares já estão abertas, mas todos suspeitam que sejam muitos. Nas fotografias acima, tiradas em todas as direcções em volta da travessa, está presente uma das torres da nova Luanda. A que aqui irá nascer não deve ser muito diferente.
Luanda cresce… em todos os sentidos.
Luanda esquece… em todos as frentes
Luanda vence… a luta pela presença na cena internacional… e perde toda a história que faz dela uma das mais antigas e nobres cidades de África.
Reparei na sofreguidão com que se derruba em Luanda e entristeceu-me.
Convido-o para uma visita onde o tempo não passou. Onde a terra ainda le levanta para acolher o povo. Onde o único sinal de modernidade são os celulares e mesmo esses funcionam sem sobeja modernidade.
Convido-o a uma visita ao fundo do ser angolano… de bem receber e bem ficar. Mavinga, onde nada se passa, onde quase ninguém vem.
Será muitíssimo bem recebido.
Saudações
É conseguir fugir de Luanda para aceitar o convite!