SPM
Afonso Loureiro
A sigla SPM pouco significará para a maioria das pessoas, mas para quem tinha a sua ligação ao mundo assegurada pelos aerogramas, de certeza que lhe trará recordações.
Não sou do tempo dos aerogramas nem do Serviço Postal Militar porque nasci alguns anos depois da guerra do ultramar ter acabado. Isso não quer dizer que não consiga encontrar algumas marcas desse tempo em Luanda.
SPM de Luanda
Após a independência muitos símbolos coloniais foram saneados, quase sempre as estátuas. Os símbolos que se poderia pensar serem mais depressa retirados, por identificarem as estruturas militares das tropas do colono foram ficando. Cruzes de Cristo, Quinas, Brasões de unidades e muitas outras pequenas coisas foram ficando. Uma delas é o símbolo do SPM em Luanda, que resiste desde 1975.
Meu Caro Afonso.
Olhe que fiquei surpreendido por verificar que este símbolo ainda permanece agarrado à parede do edifício que garantia, durante a guerra colonial, a ligação dos militares portugueses aos seus familiares e entes queridos.
Penso contudo que “SPM” significava “Serviço Postal Militar” – o “M” não era de mensagem.
Aposto que já deu uma olhadela pela história “SPM 5816” em http://angola3441.blogspot.com/2009/12/spm-5816.html
Um abraço
E.C.
Caro Egídio,
Está cheio de razão. É Serviço Postal Militar. Não sei onde fui buscar a Mensagem.
Vou ficando surpreendido pelos símbolos que se mantém após sanearem os mais inócuos. Este é um deles.
Já tive a oportunidade de ler o artigo que mencionou e acrescentei a este a ligação ao aerograma da Guiné que existe lá em casa.
Caro Afonso
As “tropas do colono”, como lhes chama, não eram as tropas do colono, porque as relações entre as tropas e o colono eram bastante frias. Elas só não foram frias no início da guerra colonial, quando o colono se sentiu ameaçado e encarava as tropas como suas salvadoras. Depois as relações esfriaram, a partir do momento em que a guerrilha ficou restringida às matas do norte e às chanas do leste e o colono voltou a poder fazer a sua vida sem se preocupar com a guerra.
«Guerra? Qual guerra? Já não há guerra nenhuma!», exclamava o colono. «A guerra é uma invenção dos militares para virem para cá encher-se de dinheiro…» Esta acusação era motivo para ressentimentos entre os militares, face a um colono que não tinha a mínima noção de que a uns meros 150 km a norte de Luanda, por exemplo, já havia combates, com mortos e feridos. A censura não deixava que os órgãos de comunicação social falassem da guerra. Por isso, para o colono, a guerra era uma questão do passado, que estava definitivamente encerrada.
Por outro lado, o serviço militar obrigatório cumprido nas fileiras das Forças Armadas Portuguesas foi, para muitos milhares de angolanos negros, a primeira vez nas suas vidas em que se sentiram tratados como gente. Na tropa, todos os militares eram tratados com igual respeito, independentemente da cor da pele, desde que agissem de acordo com as normas da disciplina militar. Só assim se compreende que nas principais cidades angolanas houvesse tantos soldados negros armados, sem que se registasse qualquer esboço, sequer, de revolta ou de motim.
De resto, a farda constituía uma salvaguarda da dignidade do militar negro frente à sociedade colonial. O colono mais racista que houvesse não se atrevia nunca a ofender um militar negro. Nem pensar nisso era bom! Meter-se com a tropa era arranjar um sarilho dos grandes.
Por isso, caro Afonso, não admira que ainda existam símbolos militares portugueses por aí. Até ministros dos governos angolanos pós-independência não escondem que fizeram a tropa nas Forças Armadas Portuguesas.
Caro Afonso
Subscrevo por inteiro tudo o que o amigo Fernando Ribeiro re-
fere.Estive 27 meses no leste de Angola e a maioria dos colonos com quem contactei eram racistas,arrogantes e mal for-
mados.Só não enganavam quem lhes estava a defender a pele se
não pudessem.Eram uns ingratos.
Caro Afonso,
Nem sei o que diga. Eu fui militar e fui colono e não tenho uma ideia assim tão taxativa, como me parece ser a de Fernando Ribeiro, sobre as relações entre uns e outros (militares e colonos). Acontece até que convivi com colonos bastante preocupados com o que se passava com os militares. Sou capaz de ter sido um sortudo! É isso.
Já quanto à expressão “tropa do colono” não posso estar mais de acordo com ela. O que fazia a tropa senão defender a situação colonial? Fê-lo até Abril de 1974. Já o colono, esse foi deixado à sua sorte.
O racismo, também não subscrevo a afirmação de F. Ribeiro de que “… o serviço militar obrigatório nas fileiras das FAP foi, para muitos milhares de angolanos negros, a primeira vez nas suas vidas em que se sentiram tratados como gente”. Isto soa-me assim um pouco a paternalismo. A primeira vez nas suas vidas em que se sentiram tratados como gente? Eu tenho boas lembranças do tempo em que fui militar, mas houve situações em que TODOS fomos tratados como gado, mais que como gente.
Um abraço
Caro Afonso:
eu estive em 65 a 67 no Niassa em Moçambique e tenho praticamente a mesma opinião do F. Ribeiro era lamentavel mas os ” colomos ” só tinham olhos para os oficiais em especial se tivessem filhas, enfim foi a vida.
Abraços para todos
Jorge Silva
Convivi com os colonos em Moçambique e Angola, não tenho nada contra os mesmos, sempre me respeitaram como militar
em Moçambique e nas forças de segurança em Angola. Alguns militares abusaram da sua confiança, facto que revoltou alguns dos colonos. Também alguns militares não respeitavam os colonos, mas exigiam que os colonos os respeitassem a eles militares.
Caro Afonso,
Permita-me que procure responder ao amigo Elmiro Ferreira. Vou procurar ser breve, embora não seja fácil.
A expressão “tropa do colono” sugere que a tropa estava em Angola a defender os interesses do colono, o que não era verdade, pelo menos em parte. Uma coisa eram os interesses da potência colonial, na Europa, outra coisa eram os interesses dos colonos, na colónia. Estes interesses não eram necessariamente os mesmos e até divergiam cada vez mais, à medida que a economia da colónia ia crescendo e os colonos desejavam ter um maior protagonismo nela. Para não falar da Rodésia, que também poderia servir de exemplo, falo do Brasil e da sua independência. A independência do Brasil não foi obra dos índios nem dos negros, foi obra dos colonos que lá estavam, cujos interesses divergiram cada vez mais dos da potência colonial até se ter chegado a um ponto de ruptura. Se os interesses de ambos os lados fossem os mesmos, não haveria agora um Brasil independente.
As Forças Armadas Portuguesas estavam em Angola ao serviço do poder imperial, sediado em Lisboa, e não ao serviço do poder colonial do território, instalado em Luanda. Elas eram uma tropa de ocupação e de dominação, não só sobre os colonizados, mas também sobre os próprios colonizadores. Para acentuar ainda mais este aspecto, registe-se a ida para a colónia de um numeroso contingente de militares europeus, em consequência da guerra, os quais não tinham quaisquer laços com Angola, fossem eles de que índole fossem. Se para muitos dos colonos Angola era (quase) um paraíso, onde estava tudo ou quase tudo o que possuíam, para muitos militares idos da Metrópole ela não foi mais do que um inferno, de onde eles estavam ansiosos por fugir. Por todas estas razões, os laços de solidariedade entre militares metropolitanos e colonos eram muito frágeis.
É evidente que, durante o cumprimento do serviço militar, todos fomos tratados como gado numa ocasião ou noutra. Havia grandes bestas quadradas na tropa, não há dúvidas nenhumas quanto a isso. Mas na generalidade dos casos, foi na tropa que os militares negros foram, pela primeira vez nas suas vidas, tratados como seres humanos adultos e responsáveis, cara a cara, de homem para homem, sem paternalismos, e não como sub-humanos ou como crianças grandes. Embora eu não seja negro, tenho fortíssimas razões para fazer esta afirmação de forma categórica.
Caro Afonso,
Sem querer abusar, gostaria de ser mais preciso em dois pontos do comentário que fiz ao seu post SPM e dirigir-me de novo ao Fernando Ribeiro.
Quando digo que a tropa não fazia mais que defender a situação colonial, devo acrescentar que era isso que lhe competia, fazia-o no estrito cumprimento do seu dever. Até 1974. É a partir daí que os colonos são deixados à sua sorte.
Caro Fernando Ribeiro, eu compreendo a sua asserção “… foi na tropa que os militares negros foram, pela primeira vez nas suas vidas, tratados como seres humanos adultos e responsáveis…” mas não a subscrevo. Convivi com pessoas, muitas felizmente, que sempre trataram os negros, os brancos, os mestiços, os indianos, os cabo-verdianos como seres humanos adultos e responsáveis. Uns eram colonos como eu, portugueses; outros eram angolanos-portugueses ou portugueses-angolanos; outros, ainda, eram só angolanos, diziam eles. Hoje, alguns desses que eram só angolanos tratam compatriotas seus como nunca o colono mais racista se atreveria. E não tenho conhecimento de grandes indignações daí resultantes.
Despeço-me com estima e os meus cumprimentos.